Opinião

Obrigado, presidente

Editorial do Estadão
Em vez de fazer seu tradicional discurso crítico em relação à mídia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva surpreendeu a todos, na comemoração do aniversário da Previdência Social, quando, no que parecia um ato de contrição, declarou: "É preciso parar com essa mania de dizer que, porque a imprensa deu, é porque é contra o governo, porque não gosta do governo. Se a imprensa deu e o fato aconteceu, em vez de a gente reclamar, tem de consertar." Em seguida o presidente lembrou que em 2006, quando as filas das agências da Previdência ganhavam as manchetes e seu governo prometera acabar rapidamente com a demora de atendimento do INSS, a imprensa manifestara sérias dúvidas. "O fato concreto é que não era possível em três meses e a imprensa tinha razão", reconheceu o presidente, aproveitando a oportunidade para pedir ao ministro da Previdência, José Pimentel, que "desafie a imprensa a continuar fiscalizando".

Realmente, trata-se de uma radical mudança do comportamento - ou, pelo menos, de apreciação - presidencial, depois de seis anos de governo. Nos últimos meses o presidente Lula vinha acirrando suas críticas à imprensa na proporção em que os indícios da grande crise se afastavam, com celeridade, da qualificação de "marolinha" com que fora avaliada por ele, no início, para se aproximar do padrão de um tsunami. Mas é preciso lembrar que sua visão, digamos, excessivamente crítica, em relação ao trabalho da imprensa, vem de longe. A imprensa foi responsabilizada não só pelo presidente, mas por seus ministros, auxiliares, correligionários e aliados por quase todas as crises, todos os desentrosamentos, equívocos, inoperâncias e o que mais houvesse de negativo no governo e em sua principal força política, o Partido dos Trabalhadores, pelo simples fato de registrar e comentar tudo isso.

É verdade que lá atrás o presidente já reconhecera que em toda a sua trajetória política, de líder sindicalista de São Bernardo a presidente da República - passando pela fundação de um partido que se tornou a grande força da política brasileira, depois da redemocratização -, a imprensa teve um papel fundamental. Sob este aspecto Lula vivenciou o que, nas democracias representativas do mundo contemporâneo, se tornou rotineiro, constante e essencial, vale dizer: o exercício da plena liberdade de expressão dos veículos de comunicação, nas análises e avaliações do trabalho dos governantes, dos políticos, das pessoas públicas em geral, assim como do funcionamento das instituições.

O presidente demorou, mas parece que entendeu, em sua já longa experiência de um mandato e meio de governo, que ao noticiar ou opinar sobre assuntos que não sejam favoráveis aos governos a imprensa não está expressando meras antipatias ou idiossincrasias, em relação a quem quer que seja, mas sim atendendo ao exercício de um direito de cidadania, ou seja, o direito que tem a sociedade de ser informada, muito mais importante do que o direito que tem a imprensa de informar - conforme a lúcida interpretação que a Suprema Corte norte-americana deu, na década de 1970, à Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, berço institucional da liberdade de expressão das democracias do mundo contemporâneo.

A semente dessa emenda, aliás, já estava plantada quando o terceiro presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson, declarou que, se tivesse de escolher entre um país sem governo e um país sem imprensa, escolheria o primeiro.
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