Crônica

A gênese da Velha Apresentadora

Marcelo Mirisola*
Nesta semana, dia 11 de fevereiro, às 23h, estréia o Monólogo da Velha Apresentadora. Alberto Guzik comemora 60 anos de carreira, e vai encarnar a Velha no teatro dos Satyros. Um homem corajoso esse Guzik, desejo muito sucesso para ele e para mim. A direção é de Josemir Kowalic, Ivam Cabral assina a trilha sonora, Rodolfo Garcia Vasquez faz a luz, e o ator Chico Ribas interpreta “o ponto”.


Antes de dizer que tudo começou com a passeata do “Cansei”, quero dizer que o fato de eu zoar com a direita não significa necessariamente que sou de esquerda. O que eu posso fazer se a esquerda brasileira fede mas não cheira?

Ora, me esbaldar com a direita. Que fede, cheira muito mal e é generosa no suprimento de piadas prontas, cadáveres e caricaturas. Devo, portanto, à direitona mais patética deste país o Monólogo da Velha Apresentadora.

Aqui vai gênese da “coisa”:

Alguém ainda lembra do “Cansei”? Um monte de peruas dos mais altos calibres, socialites e artistas saíram às ruas protestando e gritando contra alguma coisa. Não lembro exatamente contra o quê, eu sei que estavam todos – inclusive os poodles e chihuahuas que participaram na manifestação – muito cansados e estressados. E lembro que foi João Dória Jr, aquele que parece o Riquinho do desenho animado, quem capitaneou as madames e cavalheiros indignados num buzinaço de Mercedes, Porsches e BMWs pelas ruas de São Paulo. Julho 2007.

Ivete Sangalo e Agnaldo Rayol cantaram Ave Maria (ou teriam cantando o Hino do São Paulo Futebol Clube?) nas escadarias da Sé. Intelectuais de alto coturno como o tributarista Ives Gandra Martins, e artistas relevantes para a cultura nacional participaram do “evento”; gente do quilate de Ana Maria Braga, Luana Piovani, Zezé di Camargo, Regina Duarte, Silvia Poppovic, entre outros vultos da cultura brasileira. Até o Lôro José registrou sua indignação e cansaço.

Todos cansados e indignados. Ainda me lembro do presidente da OAB, doutor Borges D’urso, falando em “Movimento Cívico”: sua oratória inflamada e filosofia brilhantes remetiam a Plínio Salgado via franquia das Lojas Brasileirinhas em Miami, de modo que é uma injustiça dizer que o “Cansei” foi um movimento elitista; basta dizer que para levantar a poeira, anauê galeeeera, teve até preto: “seu” Jorge – que tava namorando aquela mina mas não sabia se ela o namorava – deu uma palhinha.

Uma cena que ficou gravada na minha memória. Uma negra gorda estatelou-se no capô da Mercedes-Benz de Hebe Camargo, a pobre coitada ou “popular” tentava resistir às investidas dos gorilas que faziam a segurança da apresentadora. À época foi manchete em vários jornais e revistas. Se não me falha a memória, Hebe Camargo acabava de sair do palanque que ocupara indevidamente no lugar dos parentes das vítimas do acidente da TAM, criou-se um mal-estar: os parentes das vítimas do acidente aéreo atinaram que haviam sido manipulados e postos de lado em detrimento de estrelas globais. Sururu danado. Houve muita confusão, frascos quebrados de Chanel n°5, empurra-empurra e – debaixo de um sol inclemente – Hebe Camargo não teve escolhas senão se empirulitar o mais rápido possível dentro de sua Mercedes-Benz; lembro que a apresentadora usava roupas pretas e sinistros óculos escuros: para não ser indelicado, posso dizer que “o conjunto” denunciava a expulsão de um velório que não lhe pertencia.

A impressão que tive foi a de que Hebe dispunha de poucos segundos para entrar dentro do ar-condicionado do seu carrão. Se não chegasse a tempo, madame e suas trinta e oito plásticas feitas no decorrer de cinqüenta e tantos anos de televisão, sei lá – na melhor das hipóteses – derreteriam. Amparada pelos seguranças, a apresentadora esquivava-se enojada da presença dos populares e dos parentes das vítimas cooptadas do acidente da TAM ; nessa confusão a negra gorda caiu, ploft, sobre o capô da Mercedes-Benz da Hebe, como se fosse a carcaça de um animal atropelado em alta velocidade.

Até aí nada demais, tudo dentro das estatísticas da violência do trânsito em São Paulo. O mais incrível, foi a garra, vamos chamar de “garra” da mulher-carcaça, que resistia feito um cocô grudento à “faxina” dos gorilas da apresentadora, resistia mezzo espatifada mezzo enlouquecida, e gritava: “Hebe, eu te amo!”.

Como é que eu vou chamar um negócio desses? O melhor é plagiar Hebe Camargo, e chamar de “Brasilzão!”. Só aqui no Brasil é que poderia acontecer uma passeata com guarda-costas, só aqui nesse país esquisito, governado pelo Lula. Ah, sim. Acho que as peruas estavam cansadas das merdas que o Lula andava falando em seus discursos. Deve ter sido este o motivo da revolta, somado ao fato de dona Marisa Letícia não saber combinar o tailleur com a bolsa, e não dar a mínima bola para elas.

Depois disso, creio que foi na semana seguinte, teve um leilão no Jockey Club de São Paulo. O famoso leilão das bugigangas do traficante colombiano. Vocês lembram do lote mais disputado?

Pra quem não lembra, eu digo que foram as cuecas “freadas” do traficante colombiano com cara de apresentador de televisão. Acho que ele fez mais plásticas que a Hebe. Adivinhem quem disputava as cuecas do traficante?


As peruas do “Cansei”, elas mesmas, se acotovelavam numa entradinha lateral, vip, do Jockey Club. Enquanto isso, do lado de fora, o povão enlouquecido uivava clamando pelas cuecas proibidas. Lembro de uma perua de laquê com megafone em punho exigindo disciplina dos populares, dizia que ia ter cueca freada pra todo mundo, claro, desde que se comportassem e ficassem em “Ordem!”. “Ordem!”

O grotesco ficou fermentando na minha cabeça. Até que aconteceu uma festa junina no Colégio Santa Cruz: e aí o caldo entornou de vez. Depois das declarações feitas por dona Malu Montoro (leia mais), a fossa entupiu e a merda veio definitivamente à tona: foi assim que concebi o Monólogo da Velha Apresentadora, e, agora, ela (que são todas as peruas do Cansei juntas, mais os pais e mestres e alunos do Colégio Santa Cruz, e mais o povão louco por uma cueca freada), bem, agora ela ou todas elas, o Aleph de brechó chique, o ponto onde todas as arrogâncias e mediocridades se encontram, ou Febe Camacho, está trancada no camarim pronta para entrar em cena. A velha fuma compulsivamente e bebe um copão de Gim. Só não contava com o seqüestro de sua empregada: “Não acredito! Seqüestram a negrinha! Pobre seqüestrando Pobre? O que eles são? Canibais?”.

Isso aí. Agora ninguém segura Febe Camacho. A velha soltará a língua e todos os seus demônios às quartas e às quintas-feiras, a partir do dia 11 de fevereiro, às 23 horas, lá no teatro do Satyros 1, que fica em São Paulo-SP, na Pça Roosevelt, 214. Pra quem não puder ir a São Paulo, a velha manda – porque ela manda, e eu não discuto – dizer que tem disposição para viajar. Basta convidá-la e garantir um cachê decente e o mínimo de conforto. Cansei.

Divirtam-se.
*Marcelo Mirisola, 42, é paulistano, autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô, O azul do filho morto (os três pela Editora 34), Joana a contragosto (Record), entre outros.

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