Opinião

A saia-justa de Lula em Belém

Editorial do Estadão
O presidente Lula foi a Belém fazer média com os ativistas do Fórum Social Mundial, caprichando na retórica bolivariana para se mostrar rigorosamente alinhado com as estrelas do convescote: os presidentes Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa e, ainda, Fernando Lugo - seus adversários naturais por diferentes motivos - geopolíticos, econômicos e ideológicos. Como sempre acontece nessas situações, a quadratura do círculo não deu certo. O contorcionismo oratório do presidente para se compor com o ideário da brava gente alternativa há de ter soado artificial aos seus próprios ouvidos. Pela simples razão de que Lula, como já se cansou de ressalvar, não é de esquerda nem considera o regime de mercado uma criação luciferina, muito menos imagina que o Brasil pode subir aos palcos globais fazendo coro com a Venezuela, Bolívia e Equador. O Paraguai é um caso à parte.

É genuína - e procedente - a sua indignação com o preço ainda imprevisível que o Brasil terá de pagar pela farra homérica de um sistema financeiro que se comportou como os proverbiais dementes que tomam conta do hospício. "Nós que fizemos sacrifícios para salvar nossos países estamos vendo que as conquistas na América Latina estão ameaçadas", disse ele em seu discurso no seminário A América Latina e o Desafio da Crise Financeira Internacional, da noite da quinta-feira. O resto do discurso foi uma tentativa de varrer para debaixo do tapete as diferenças inconciliáveis entre a sua visão dos fatos e a dos dirigentes cuja ascensão ao poder representa, segundo ele, "uma nova correlação de forças no Continente".

É uma saia-justa. De um lado, Lula precisa de tantos apoios quantos conseguir reunir para carregar nos foros mundiais a bandeira da formação de uma "nova ordem econômica". Por intermédio do G-20 - produto genuíno da velha ordem -, sustenta, os países emergentes devem forçar a discussão do controle do mercado financeiro para que a economia real não seja atingida pelos descalabros da economia de papel. De outro lado, Lula sabe que a sua importância como interlocutor dos poderosos da Terra deriva não apenas do peso específico do País que governa, mas também, em ampla medida, do fato de ele se distinguir nitidamente dos colegas da vizinhança. Eles são vistos como são: ou populistas estabanados desprovidos de seriedade ou simplesmente figuras inexpressivas. Enquanto o presidente metalúrgico impôs-se ao respeito internacional. Deve ter-lhe custado muito esforço a escolha de uma maneira de agradar ao Fórum Social, mais uma vez reunido no Brasil, sem fazer o saludo a la bandera, exibindo afinidades postiças com os bolivarianos.

A que escolheu, com duvidoso sucesso, foi dizer as coisas que eles esperavam ouvir embora não acreditando minimamente nelas. É o que deu o tom de sua retrospectiva da atitude dos países ricos e do execrado Fundo Monetário Internacional (FMI) na última década e meia. "Eles tinham a solução para todos os nossos problemas e diziam o que tínhamos de fazer", lembrou. "Diziam que tínhamos de fazer ajuste fiscal, cortar gasto, fazer choques de gestão e mandar trabalhadores embora (sic). Parecia que eram infalíveis, e nós, incompetentes." "Mas, Deus escreve certo por linhas tortas, porque o ''deus mercado'' quebrou." O que ele não disse, nem obviamente poderia, é que, por ter feito o que diziam que "tínhamos de fazer", o Brasil reuniu as condições para - já sob o seu governo - tirar proveito do período sem precedentes de expansão da economia mundial, movida, aliás, por uma fartura extravagante de crédito.

Dito de outro modo, não tivesse o Brasil feito os "sacrifícios" a que se referiu na fala em Belém, Lula não teria em que apoiar o seu bordão do "nunca antes na história deste país" - e não se fará a ele a enorme injustiça de acusá-lo de não saber disso. No entanto, quem quer que se pusesse na sua pele sentiria de imediato o dilema que tentou resolver se apegando à fórmula segura de falar mal do Consenso de Washington, do FMI e dos demais suspeitos de sempre, omitindo o efeito virtuoso para a economia brasileira do modelo hoje em crise - por motivos que, não lhe sendo inerentes, não o desqualificam. Malabarismo inútil, afinal. Sintomaticamente, Lula foi o único dos presidentes que compareceram ao Fórum que o MST não convidou para o seu evento sobre a "integração popular" da América Latina. É que João Pedro Stédile conhece muito bem a ideologia de Lula: ela é lulista.
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