Crônica

ETs

Marcelo Mirisola*
Uns xaropetas que se denominam “ufólogos”, baseados em prerrogativa constitucional, pediram acesso a documentos sobre óvnis guardados pela Forças Armadas e outros órgãos oficias. O requerimento foi protocolado na Casa Civil da Presidência em 26 de dezembro de 2007.


Eis que os ufólogos, em outubro passado, conseguiram um dossiê ridículo e “confidencial” de uma tal de Operação Prato. Um mico patrocinado pelo erário público nos idos dos setenta. Se a investigação não serviu para achar vida em outro planeta, serviu para mostrar como o poder público – desde sempre – joga dinheiro pela janela, espaço afora.

O que me intriga é a obsessão desses ufólogos por documentos oficiais e milicos. Por que os ETs – não só os daqui, mas de alhures – teriam predileção por militares? Seria fetiche por homem de farda?

Ultrassecreto, confidencial, sigiloso. Operação X, Arquivo Y. Parece que é a terminologia – e não a suposta existência de ETs – que dá uma certa comichão “protocolar” nessa gente.

Por que não vieram falar comigo? Tenho repulsa a tudo o que é farda, tanto faz se for do Exército ou do McDonalds. Uso bermuda, chinelão Rider e conheço vários espécimes de outros planetas que simplesmente nunca estiveram aí para essa besteirada de quepes, divisas e costados.

O Bactéria, por exemplo. Que é um ET voluntarioso e simpático. Veio do Planeta Capão e, durante um bom tempo, esteve infiltrado nas bilheterias do Centro Cultural São Paulo. Sua missão alienígena consistia – antes de abrir um Sebo na Pça.Roosevelt – em barrar a entrada de globais folgados nas peças de outro ET, o dramaturgo Mário B., que veio do Planeta (ou Jardim) do Sol – que se localiza nos arrabaldes da constelação de Londrina. Aliás, muitos ETs talentosos vieram desse lugar e adotaram São Paulo como campo experimental. Uns se deram bem, e ganharam a cidade, outros continuam experimentando. Coisas da vida, daqui e de qualquer outro planeta.

Que eu saiba, nem o dramaturgo, nem o bilheteiro cruel, jamais se abalou com esse negócio de fardas e divisas, embora o primeiro use uns coturnos suspeitos, creio que não há que se confundir capitão de fragata com cafetão de gravata. ETs prezam pelo estilo, e podem ser altos, baixos, malignos, benignos, dentuços, enfim, podem ir ao trabalho de ônibus ou se tele-transportarem, podem fazer e ser qualquer coisa. Pra que protocolo? No espaço-tempo de outros planetas inexistem requerimentos, formalidades e fichas a preencher. Conheço um ET que é dentista. Nenhum deles tem aquela voz metálica ridícula, que ecoa em documentários ultra-confidenciais guardados sob sigilo em bases militares inacessíveis. Tem um outro – que é muito meu amigo – que vive de dar aulas de francês para advogados e, às vezes, enche a cara no Marajá, um boteco que fica na Martins Fontes, perto de Alfa-Centauro. De vez em quando ele blasfema no idioma de Baudelaire e tumultua a vida dos garçons, dos chapeiros e até de ETs argentinos simpáticos que freqüentam aquele local. Ah, quase me esqueço. A Argentina – ao contrário do que muita gente pensa – fica aqui mesmo, no Planeta Terra. Que eu saiba, nem o Bactéria nem qualquer um desses ETs mencionados tem atração por fardas e milicos. Sei lá, acho que não. Também não posso pôr a minha mão no fogo por todos eles. Tem uns que são debochados. Já vi o Geraldo Vandré tomando leite nesse mesmo Marajá. Um abraço aí, Zé Mané, em fevereiro tô na área.

Conheço um ET que curte Biafra e faz poesias sobre parquinhos eletrônicos abandonados – garanto que ele existe e está entre nós. Daí pruma farda pode ser um pulo. Vai saber, né? As poesias dele são excelentes e o Planeta Biafra é um enigma para mim. Não me atrevo a chegar perto... dizem que pra quem se mete a “Voar! Voar” nesse distante planeta “o bom-bom tem sempre um licor a mais”.

São tantos ETs e de tantas matizes e dons que eu levaria cinqüenta mil anos solares para descrevê-los. Não ganho para tanto. A órbita do meu salário não dá nem para comprar um Fusca 78, digamos que é bem terrestre, quase subterrânea. E, por falar nisso, também tenho conhecimento de muitos ETs que vivem em subterrâneos, porões e subsolos. São da espécie corrompidus. Baixinhos e ferinos. Adoram fazer uma fofoca e – não duvido – são capazes de flertar com milicos, fardas e com o diabo que os carregue a troco de um chamego, um favorzinho qualquer. Apesar de tudo, se você não der bola, passam despercebidos.

Pois bem, quero deixar claro que nasci na Maternidade São Paulo, aqui mesmo, no Planeta Terra. E que também não dou nenhuma pelota para esse negócio de fardas e milicos, inclusive – nos estertores no regime militar – fui desligado do exército por incompetência física e intelectual. Aliás, isso é uma coisa da qual me orgulho. Também fui apaixonado pela filha do presidente do Banco Central (1985), tive um cachorro epilético e levei bomba no Colégio Objetivo. Cadê você, Luciana?

Mas eu falava do mundo paralelo, extra-terrestre. Eu acho sinceramente que esses ufólogos deviam esquecer casos prosaicos como o "ET de Varginha".

À época, 1996, segundo os ufólogos, o Exército investigou o episódio. Não deu em nada. Claro que não! Não adianta nada enviar requerimentos à Casa Civil. Perda de tempo. O governo, eu penso, tem mais o que fazer, e fez muito bem em desconversar sobre o caso "ET de Varginha".
Esse ET é a maior roubada. Um pangaré. Chegou até a participar do falecido programa do Ratinho. Atenção, Ufólogos! Procurem o Ratinho e Chico Anysio, eles têm muito a ensinar sobre ETs, freezers e fantasmas.


Todo mundo sabe que há uma ponte e uma ligação entre nossos corpos astrais e outras dimensões, vale dizer, planetas. Quem estudou engenharia decerto sabe o que são vasos comunicantes. Algo parecido. O caso mais notório é o presidente da República. Ele é um ET, e torce pro Corinthians. Acho que mais do que um ET, Lula é a prova viva de que o sobrenatural existe e atua no nosso dia-a-dia. Os homens de farda o perseguiam, lembram disso? Nada de farda! Senhores ufólogos, reitero aqui o pedido: esqueçam os documentos anexos, as deferências, as guias e requerimentos e os malditos protocolos. Por que os senhores não vão a um lugar mais sério e produtivo? ETs apreciam um bom despacho... de macumba!

Voltando ao caso de Varginha. Diante do protesto dos senhores ufólogos, o Exército reagiu com um comunicado lacônico. Não nega nem confirma a participação de militares no caso. Também não responde se mantém esse ou outros arquivos em seu poder sobre supostos óvnis e seres de outros planetas. Sabem por quê? Vou repetir: porque eles seriam os últimos habitantes do Planeta Terra que teriam alguma coisa a dizer sobre ETs e óvnis.

O fato de o Exército ter investigado óvnis nos últimos 60 anos – segundo documentos oficiais! – é a prova definitiva e cabal de que o dinheiro público brota feito capim e de que eles nada têm a ver com o abacaxi. O que os milicos não viram em 60 anos, eu vejo em seis minutos. Cazzo! Basta ir aos lugares certos!

Até agora os milicos só pagaram micos. Vejam só o que aconteceu em 1969. Uma investigação foi levada adiante e supervisionada por um organismo da Aeronáutica: o Sioani (Sistema de Investigação de Objetos Aéreos Não-Identificados).

Funcionários dessa piada, digo “órgão oficial” , entrevistavam pessoas em várias partes do Brasil para coletar informações sobre aparições de possíveis alienígenas.


Sabem o resultado? Depoimentos desconexos, mentiras de pescador e desenhos toscos. "Os Jetsons" e "Perdidos no Espaço". Em dois casos – segundo o “documento oficial” – o óvni tinha o aspecto de um automóvel esportivo popular no Brasil daquele período. Um ET pilotava um “Karmann-Ghia" e o outro ia no banco de trás. Ambos davam bananas pros ufólogos e pros milicos de prontidão. Observadores anotaram a placa da “nave espacial”. Adivinhem quem era o dono?

Lírio Mário da Costa. Essa crônica é uma homenagem a Costinha, ele mesmo é quem dirigia o Karmann-Ghia naquele distante e lisérgico ano de 1969 , estava indo pra Sertãzinho.
Nhhhéééé.

*Marcelo Mirisola, 42, é paulistano, autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô, O azul do filho morto (os três pela Editora 34), Joana a contragosto (Record), entre outros.

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