Coluna da Sexta-feira

Saudosa virgindade

Celso de Almeida Jr.
As “Virgens da esquina do pecado” reuniam-se geralmente as sextas e sábados, na avenida Iperoig, em frente ao antigo escritório do Paulo Romero, cruzamento com a Dom João III.


Usávamos repique, repinique, treme-terra, chocalho, reco-reco, surdo e tamborim.

Inspirávamos na turma do Ney, Niltinho, Toninho e outras feras da batucada.


Éramos garotos.

Lembro numa noite em que um grupo de moças animadas, atraídas pela boa cadência, fez cara de decepção. Uma delas comentou que esperava encontrar batuqueiros, digamos, mais nutridos.

Virgens, é claro, éramos nós. Eu, pelo menos, era. Sinceramente, me concentrava no ritmo. Ficava até altas horas curtindo um repertório que cantávamos com alegria contagiante.

Jair Rodrigues, Martinho da Vila, Agepê, Luis Ayrão, Alcione, Beth Carvalho, Noite Ilustrada, Cartola, Paulinho da Viola, Originais do Samba, e tantos outros mereceram a nossa rouca interpretação, pouco afinada, mas vibrante.

No fundo, não só o ritmo, mas as letras nos tocavam. Saboreávamos a poesia.

Quem ouvia, notava o entusiasmo. E se aproximava.

Talvez por isso, numa véspera de Carnaval, a Poty, do Vira Verão, nos contratou para animar a casa. A demissão veio ao final da primeira noite, quando ela percebeu a precariedade do nosso equipamento de som, um amplificador daqueles de vendedor de pamonha, além das constantes investidas das Virgens num isopor exposto na cozinha, lotado de cervejas geladas.

Hoje, espanto-me com a inocência daqueles tempos.

Neste início de 2009, caminhando no Perequê-Açu, flagrei um carro com o porta-malas aberto, rodeado de jovens, ouvindo uma música muito amplificada, onde a cantora, com voz de tudo, menos de virgem, conclamava para que fosse estuprada, surrada, usando um palavreado digno de zona de prostituição decadente.

Moços e moças bonitas, na praia, curtindo um repertório que, confesso, não sei que alegria pode dar.

Eu caminhava sozinho. Na mesma calçada, uma família vinha em minha direção. Foi visível o constrangimento, coroado pelo apertar do passo e um silêncio triste.
Como explicar e aceitar tamanha vulgaridade pública?


Decidi interferir. Encostei no carro, chamei aquele que parecia ser o mais velho do grupo e pedi, reservadamente, que diminuísse o som e explicasse aos amigos os meus argumentos. Ele, muito tranquilo, respondeu: “Tudo bem, tio, foi mal.” Ganhei um sobrinho e certo sossego aos meus ouvidos, pelo menos naquele instante.

Talvez o que falte a juventude de hoje é conhecer coisa melhor. Mergulhados num vazio, agarram-se ao que mais chama a atenção. Quanto mais chocante, melhor. Creio que não conseguem ter prazer com boa música, poesia, comportamentos que integrem, que aproximem, que promovam o crescimento.

Para nós, adultos, cabe a tarefa de orientá-los, ajudando-os a despertar.

Do jeito que está, não sei se nas reflexões que terão no futuro as lembranças serão amenas.

No meu caso, concluo que naquela esquina tinha de tudo. Menos pecado.

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