Crônica

Entrevista

Marcelo Mirisola*
Concedi parte dessa entrevista (que não foi publicada) a Marcio Renato dos Santos, jornalista do Correio do Povo. Depois disso, alonguei algumas respostas.


1. Há adultos que seguem adolescentes. Em momentos de sua obra, épossível flagrar personagens com comportamentos assim: adulteen. Você analisa que hoje é bem comum ser adulteen?

Impossível responder a essa pergunta sem chancelá-la. Eu teria de partir da sua premissa, qual seja, que escrevo para adultos abestalhados. Ou que sou um deles. È evidente que não vou fazer isso. Mas nada me impede dar alguns pitacos sobre o tema.

Vamos lá.
Existem marmanjos que se fantasiam de Mangá, que vibram com a subida do Corinthians para a primeira divisão,e acham que o futebol vai acabar porque o Vasco caiu pra segundona.Tem gente que acredita que o Obama vai salvar o mundo porque é preto, enfim, que acha que o Ronaldinho é um traidor porque trocou o Flamengo pelo Corinthians e – eventualmente – cata uns travecos. Tem gente que acredita que os banqueiros fazem contabilidade com lirismo, e tem aqueles que comem pizza de chocolate e pensam que estão protegidos dentro de shoppings e condomínios fechados. Tanto uns como outros acreditam em “qualidade de vida” e desejam prolongar essa vida de merda até os 150 anos. A ciência (que se diz evoluída) trabalha em função dessa expectativa. Veja só, Marcio. Em vez de diminuir o tempo de sofrimento do ser humano sob a face da terra, os cientistas querem esticar as pelancas até a última granola. Não seria exagero dizer que – antes de qualquer coisa – é a tecnologia, e não a ficção, quem está criando esse monstro, o adulteen.


As academias de ginástica estão lotadas de idosos (Novos decrépitos). Eu sinceramente não entendo: essa turma respirou o mesmo ar de Carlinhos Oliveira, Vinicius de Moraes, Joel Silveira e tantos outros. Tiveram acesso a boa informação e podiam fumar e beber tranquilamente sem que ninguém lhes enchesse o saco. Não seria o caso de dizer que traíram o tempo que viveram? No lugar do recolhimento e da merecida rabugice, sushi e saladinhas orgânicas. Isto é, além de o egoísmo dessa turma ser ergométrico e patético, também é claramente inócuo e desnecessário. Que diabo de qualidade de vida é essa que deixa as pessoas reféns do ridículo? Qual é o objetivo dessa gente? Ser feliz como a Suzana Vieira?

È sempre bom lembrar, Marcio: “Nós que aqui estamos por vós esperamos”. Talvez fosse o caso de falar em oldteens...

Vivemos uma época redundante. O sujeito sai de casa para comer comida caseira. Você anda nas ruas e vê essa “gente de bem” catando cocô de poodle. Tive notícia de um “ateliê de tatoos” especializado na terceira idade que funciona no mesmo endereço de uma “clínica de reposição hormonal”. Não é brincadeira, não. A perspectiva é desanimadora.

Não bastasse, ainda temos o prolongamento do fitness. Que é muito pior. Quando as madames vão tomar cafezinho em livraria chique. São as peruas desocupadas da Casa do Saber e afins. São elas que estudam Heidegger e compram os livros da Maitê Proença (ah, bons tempos em que a Maitê era apenas uma gostosa...); as mesmas peruas que consultam o horóscopo antes de entrar no elevador e tratam as empregadas de casa como se fossem membros da própria família. No inverno sobem a serra da Mantiqueira, e no estio adquirem cuecas sujas de traficante colombiano em leilão do Jockey Club: é esse tipo de gente que finge que se diverte com os achaques do xarope do Saramago.

Assim – fingindo o que não são apenas para serem iguais às farsas que representam – desfilam suas roupas de grife rasgadas nos cafezinhos das livrarias , e com o mesmo carinho que levam seus poodles ao cabeleireiro, organizam mutirões para aliviar o sofrimento dos pobres e fudidos da enchente que se repetirá no próximo ano. Fico aqui pensando comigo: será que no meio dos mantimentos e dos cobertores, as madames também não enviam caralhos de borracha para aquecer os flagelados das enxurradas? De vez em quando um playboy morre. E aí, os mesmos que defendem o porte de arma, se vestem de branco e fazem passeatas pela paz. Abraçam o parque Ibirapuera, a lagoa Rodrigo de Freitas, a putaqueopariu. O que você conclui disso tudo, Marcio? Eu acho que – no mínimo – essa gente não é digna de crédito.

Num passado recente era fácil identificá-los: os ex-maridões usavam o cabelo repartido de ladinho, e se barbeavam todo dia. As filhas debutavam e ruborizavam. Os machinhos eram iniciados na zona. E os entes queridos... ah, os entes queridos morriam. Não é difícil entender porque Nelson Rodrigues se esbaldou. Algo fedia. Tava na cara que algo sempre esteve podre.
Hoje está menos fácil identificá-los. Como é que eu vou dizer? Se descolaram. Isso, são descolados. Para encontrá-los, no entanto, é só ir atrás do medo e da covardia. Ainda atendem por classe média. Estão lá, escondidos atrás de tatuagens, bermudões e cabelos rastafaris parcelados em dez vezes no cartão de crédito; ocupam as mesmas redações, câmaras e ante-câmaras. São os mesmos de sempre, fazendo seus conchavinhos e garantindo a pequenez do dia-a-dia. Todo ano vai ter festa de Paraty para eles, um Amorzinho Expresso aqui e acolá e, finalmente, para coroar a breguice ... o Show do Elton John! Nikita neles! , porque eu também quero me divertir.


Adulteens? Oldteens? Sei lá. Eu sei que é esse tipo de gente que deve IPTU e que sonega imposto de renda e que – pasme! – fica escandalizada com as merdas que o Lula fala em seus discursos oficiais. Vão ser hipócritas assim lá no Shopping Iguatemi, lá feirinha da Benedito Calixto!

Penso que a conjunção disso tudo – e mais a fortuna do bispo Edir Macedo, a pizza de chocolate com borda recheada e a esfiha de frango – aponta para a evidência incontestável de que o ser humano está cada vez ... eu não diria “Teen” ... digamos, cada vez mais imbecil.


2. Você considera um problema uma pessoa ser adulteen?
Paga meia-entrada no cinema?

3. Os escritores que fazem a literatura brasileira contemporânea não parecem gostar desse mote? Há diversos personagens adulteens na ficção brasileira. Os autores da literatura brasileira recente são adulteens?

O personagem Bentinho decerto é um “adulteen” - do jeitinho que você o define. Nunca vi personagem mais corno, adolescente e abestalhado que ele. Também temos o caso de um fantasminha boboca chamado “Brás Cubas”, conhece?
Mas você quer saber dos contemporâneos? Veja bem, se considerarmos o último prêmio Jabuti (livro do ano), creio que os meus coleguinhas estão cada vez mais ... teens? Não, teens, não. Cada vez mais kids. Todavia não se trata de um problema, e sim de um investimento: 30 mil reais para ninar o neném... Tá bom né?

4. A presença de adulteens aponta para uma crise, nacional, de paradigmas etc? Eita, Marcio!

Você realmente está obcecado com essa história de adulteens! O ser humano vive uma crise de paradigmas desde o momento em que foi expulso do paraíso.

5. Aquela turma da Praça Roosevelt não é formada apenas por adulteens?


Eu não sou o Guarda Belo da Pça. Roosevelt, Márcio.

6. A eterna adolescência é o projeto de vida de quem lê (e pretende ser também um) Paulo Leminski, por exemplo?

O tipo da pergunta que devia ser feita aos leitores e fãs do Leminski. Eu, particularmente, não gosto dele. Acho um escritor demasiadamente afetado que busca a cumplicidade do leitor a qualquer preço. Depois, quem tem “projeto” devia executar obras de engenharia, e não perder tempo com literatura e papo furado de escritor.

7. O modelo do adulto padrão teria falido para que os adolescentes evitassem se transformar em um?

Basta ir até o bar da esquina ( que se transformou numa imitação do bar da esquina) para constatar que o modelo humano faliu. Hoje em dia nem os padres pedófilos podem confiar nas criancinhas.

8. Você se considera adulto? Por quê?

Acho que, aos 42 anos, sou um velho decrépito e ultrapassado. Outro dia escrevi uma crônica sugerindo a leitura de Borges a um público que vibra com Big Brother. Além de decrépito e ultrapassado, sem noção. Assim não dá. Se – como dizem os religiosos– o corpo é a extensão da alma (ou seria vice-versa?), bem,de um jeito ou de outro, minha alma deve realmente ser degenerada. Outro dia tive um derrame ocular. Agora apareceu um problema seríssimo nas cartilagens. Estou tomando um remédio chamado Artrolive – a mesma medicação que mamãe, de 70 anos, faz uso.

9. Qual a sua leitura da contemporaneidade neste Brasil 2008?

Vai dar merda.

10 . Como estão reagindo ao Animais em Extinção? O que o Samuca disse (eu sei quem é ele)? O que o Mario Bortoloto falou? O que falam sobre o livro na Pça Roosevelt? Tenho apenas curiosidade com a reação ao livro. Ou houve silêncio?

Parece que o livro ainda não foi assimilado. Tenho a impressão de que está causando um certo constrangimento no “meio”. Muita gente leu e gostou, mas acha que é melhor mudar de assunto, entende? A mesma coisa acontece com quem não gostou. A disposição nos dois casos é para o silêncio. Tenho recebido vários emails e telefonemas de pessoas que adoraram e odiaram o livro, mas que – ainda – não se manifestaram "publicamente". Isso vale tanto para blogueiros como para colunistas de jornais e revistas.
O que eu posso fazer? Apenas agradecer a deferência e a depreciação, né? Como são recados particulares evidentemente não posso dizer quem são essas pessoas, mas o sentimento geral é do tipo “não me comprometa". São raros os que tiveram coragem de se manifestar publicamente. A esses, e a você que publicou uma resenha no Correio do Povo, minha admiração. Mas ....sinceramente? Estou desapontado.
Quanto ao “Samuca”, em primeiro lugar, tenho que dizer que se trata de um personagem. Nem seria preciso repetir... mas vamos lá: per-so-na-gem O fato de ter sido escrito a partir dos trejeitos de fulano ou sicrano, ora, isso não tem a menor importância por um motivo muito simples: ele ou ela não é maior do que o resultado (ou a arte) ensejada. Se não fosse assim, eu não teria escrito uma linha do Azul do Filho Morto. Eu faço literatura, não sou nenhum filho da puta, nem tenho vocação para ser relações públicas. Como é que eu poderia falar sobre e/ou dar satisfação ao Samuca, digo, ao abstrato? Era só o que me faltava, tirante minhas próprias limitações, ainda tenho que me haver com uma pequenez inventada, e alheia. Haja pretensão!
O Mario se declarou confuso por ser personagem do livro, mas parece que gostou do que leu (está lá no blogue dele, por que não o entrevista?).
De resto, é uma mistura de silêncio com constrangimento. O que – para mim – é uma bosta. Pensando bem, eu não poderia dizer que estou decepcionado, mas imobilizado. O que fazer? Sigo o mesmo caminho desde o meu primeiro livro. A diferença é que, agora, os meus alvos não são mais a família e a classe média do final dos setenta e começo dos anos oitenta.
Em suma: é confortável e bonitinho neguinho celebrar a “literatura” e a “maldição” quando “o dele” (que também é uma invenção) não está na reta. Ninguém pode exigir grandeza de ninguém – muito menos eu.


* Marcelo Mirisola, 42, é paulistano, autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô, O azul do filho morto (os três pela Editora 34), Joana a contragosto (Record), entre outros.

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