Coadjuvantes

Simplesmente Cabo

Sidney Borges
Não há futuro na minha profissão, mas é um trabalho limpo e dá pra ir vivendo. Palavras do Cabo, que apareceu um dia saído do nada. Pouco eu soube de sua vida pregressa. Era mineiro e dizia ter sido cabo da polícia em Governador Valadares. Sem outro nome, virou apenas Cabo.
Trabalhava como homem-placa na Praça Clóvis Beviláqua, onde bateram a carteira do Paulo Vanzolini. Tinha 25 cruzeiros e um retrato. Ele achou barato se livrar do retrato. Queria rasgar, amassar, destruir. A mão iniciava o gesto, o coração interrompia. Seria simples fosse a vida cartesiana. Colocaríamos desfeitos amores e demais dissabores na carteira. O larápio se encarregaria de aliviar nossa alma. Pobre diabo. A carga seria fatal. De ladrão espertalhão cuja mão leve em bolso incauto afunda, a carga viral, miasmática, o transformaria em corcunda. Seguiríamos leves e felizes até o câncer, o infarto ou a bala perdida.
Um dia o Cabo sumiu. Deve ter se mudado morto pra Faculdade de Medicina pra contracenar com estudantes imortais, embora alguns já tenham morrido.
Por que fui me lembrar do Cabo? Não sei, nunca saberei, talvez tenha sido por causa de uma frase.
- Seu Sidineis...
- Prossiga Cabo, disse eu batendo os calcanhares e fazendo continência.
- Seu Sidineis, mulher é tudo igual...
Não entendi o reducionismo, Cabo era solitário. Provavelmente desilusão amorosa. Cantei pra ele: "vinte e cinco francamente achei barato, prá me livrar de meu atraso de vida...". Pelo olhar não fui compreendido...

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