Opinião

Com que números se planejará?

Washington Novaes
Quanto questionado em entrevistas coletivas sobre alguma estatística desfavorável ao governo a que pertencia, o falecido ministro Roberto Campos costumava ironizar e dizer que números poderiam demonstrar qualquer coisa. Por exemplo (hipotético), se cinco pessoas comiam muito enquanto outras cinco comiam quase nada, seria possível afirmar que, na média geral, todas comiam razoavelmente. Talvez o ministro devesse ser convocado neste momento para explicar algumas estatísticas.


Há poucos dias (Estado, 13/11) o Fundo da ONU para a População divulgou que até metade deste século o Brasil terá 254,1 milhões de habitantes, ante 194,2 milhões que teria hoje. Isso aconteceria porque continuará até 2010, pelo menos, com uma taxa de crescimento populacional de 1,3% ao ano, acima da média mundial. E a população mundial até 2050 passará de 6,74 para 9,19 bilhões. São números bastante diferentes dos divulgados em agosto pelo IBGE, que calculou a atual população brasileira em 189,6 milhões (quase 5 milhões menos que o cálculo da ONU) e uma taxa de fecundidade já em 1,8 filho por mulher em idade fértil - abaixo da taxa de reposição populacional, que é de 2 filhos (um para substituir o pai e outro, a mãe; com menos filhos, a população declina). No começo de outubro, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), analisando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2007, do IBGE, apontou uma taxa de fecundidade de 1,83 filho por mulher em idade fértil. E com ela a população chegaria a 2030 com 204,3 milhões e a 2035, já em declínio, com 200,1 milhões. Como poderíamos, então, chegar aos 254,1 milhões estimados pela ONU para 2050? Em julho, a Pesquisa Nacional de Desenvolvimento da Saúde calculava (Folha de S.Paulo, 21/7) que a taxa de fecundidade chegara a 1,8 por mulher já em 2006. Logo em seguida, o IBGE , partindo de uma taxa de 2,1 filhos por mulher, calculava que só em 2043 se chegaria a 1,85.

Números são decisivos para um bom planejamento governamental. Então, é preciso saber com clareza qual o patamar real. Este mês, por exemplo, o Ipea, analisando números da Pnad, mostrou uma realidade dramática: a participação dos rendimentos do trabalho na renda nacional só em 2011, observadas as atuais tendências, voltará ao nível de 1990, quando tinha 45,4% do total (na década de 60 esteve próxima de 60%). De 1990 para cá, o rendimento médio mensal dos 10% mais pobres passou de R$ 67 para R$ 97 e o dos 20% mais pobres, de R$ 202 para R$ 236. No mesmo período, o rendimento médio mensal dos 10% mais ricos caiu de R$ 4.454 para R$ 4.114 e o do 1% mais ricos, de R$ 13.604 para R$ 11.878/mês. Portanto, a média no estrato superior de 1% ainda é 122,4 vezes maior que no estrato dos 10% mais pobres - apesar de evolução favorável nos 16 anos (em 1990 era 200 vezes maior). E pelo menos 60% dos que trabalham estão na informalidade. Algumas explicações para tanta desigualdade podem ser encontradas na própria análise do Ipea, ao mostrar que entre 2000 e 2007 os gastos federais acumulados com juros chegaram a R$ 1,26 trilhão, enquanto na saúde foram de R$ 310,9 bilhões; na educação, de R$ 149,9 bilhões; e nos "investimentos federais", de R$ 93,8 bilhões.
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