Infância distante

Pírulas e Papagalhos

Sidney Borges
Ora pírulas. Sempre achei que fosse assim, até que um dia tirei zero (0) na escolinha São Pedro do Pary. Eu já contei que tranquei o Geraldo no banheiro? Geraldo, irmão do Guido, um cara legal, um pouco mais velho. Dona Maria, a velha, me mandou ir ao banheiro. Tinha outra dona Maria, a moça, ambas trabalhavam em conjunto em uma sala enorme onde havia alunos da primeira à quarta-série. Dona Maria, a velha, mantinha a ordem na base da porrada. Bobeou entrava na dança. Imaginem vocês a minha situação. Gauche na vida desde pequeno, apanhei bastante. Mas não guardo rancor, a megera me ensinou a ler e está perdoada. A fila de carteiras do primeiro ano era problemática. De vez em quando aquele cheiro insuportável. Uma menina da quarta série, que não me lembro o nome, parecia uma pomba, ia falar com a professora. No ouvido. Chamavam dona Antônia, velhinha, baixinha, gordinha e boazinha. O infrator, com cara de espanto era levado para o banho, não raras vezes com a prova do crime escorrendo pernas abaixo. Para prevenir tais vexames a ida ao banheiro era automática. Como eu detestasse ficar parado, ainda detesto, ia mesmo sem precisar. A "casinha" ficava longe. falam dos cães de Pavlov, mas eu também era condicionado. Se fosse ao banheiro tinha de entrar, puxar a descarga e voltar, ainda que não usasse as facilidades sanitárias. Naquela manhã não consegui entrar. Geraldo ocupava o trono concentrado e quando bati me mandou esperar. O banheiro tinha trinco dentro e fora, nunca entendi o porquê, mas com aquela disposição dos seis anos, que me fazia mexer em tudo, acabei inadvertidamente trancando o Geraldo. Como ele demorasse a sair, desisti de dar a descarga e voltei à aula. O tempo passa, o tempo voa. De um lugar distante, muito distante uma voz abafada gritava: sidineiiii, sidineiiii. No começo não dei bola, mas aos poucos começou um zunzum na sala. Eu queria me esconder, achar um buraco, eu era o único sidinei, só podia ser comigo. O que teria despertado a ira dos deuses, ou dos 700 milhões de demônios do Frei Teobaldo do catecismo?
Dona Maria, a velha, olhou para Dona Maria, a moça e ambas fixaram os olhos em mim. Tentei disfarçar, virei pro lado e dei de cara com a Pomba da quarta-série me olhando feio. Sidinei, o que você fez desta vez? Eu tinha culpa no cartório, tentei usar a técnica do Mandrake, proferí palavras mágicas, fiz gestos hipnóticos. Não funcionou, não fiquei invisível. Dona Maria, a velha, foi investigar. Nem bem saiu da sala deu de cara com dona Antônia trazendo pela mão o Geraldo. Se debulhando em lágrimas. O dedo indicador me indicou. Foi ele professora, o Sidinei me trancou no banheiro. Tentei argumentar que não houve intenção, mas como vocês devem estar desconfiando, foi em vão. Nesse dia entendi o significado da expressão pagar o pato. Me trancaram num quarto escuro com um esqueleto. Minha vingança foi maligna, desmontei o esqueleto e ninguém jamais conseguiu montar novamente, nem eu. Foi como o relógio de bolso que ganhei do meu avô, mas isso é outra história...

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