Opinião

O turno da baixaria

Editorial do Estadão
Perguntas que não querem calar são aquelas que, por sua pertinência, clamam por uma resposta. As perguntas que a propaganda da candidata Marta Suplicy levou ao ar contra o seu adversário Gilberto Kassab - "É casado? Tem filhos?" - também não querem calar, mas por motivos que se diriam diametralmente opostos: a indignação que provocaram até mesmo no PT e a duvidosa distinção que acabaram adquirindo de representar o episódio singular mais notório desta temporada eleitoral, como exemplo acabado do baixo nível em que se degradou o segundo turno da disputa pelos governos de algumas das principais capitais brasileiras.

No curso de uma campanha eleitoral, nem sempre é fácil traçar as fronteiras entre a contundência das acusações plausíveis (embora não necessariamente verdadeiras) que os candidatos se fazem uns aos outros e as tentativas de desmoralização pessoal a que recorrem para desacreditar os oponentes - desacreditando com isso, pela enésima vez, a própria atividade política aos olhos da opinião pública. Mas é como disse certa vez o juiz Potter Stewart, da Suprema Corte dos Estados Unidos, sobre a obscenidade: "Eu não sei defini-la, mas sei o que é quando a vejo." E muito do que se tem visto ultimamente não deixa dúvidas sobre as ações politicamente obscenas a que se entregam com desenvoltura, quando não com naturalidade, diversos candidatos de diferentes partidos.

A justificativa para a apelação é a mesma em todos os casos: o eleitor tem o direito de conhecer "a verdade" sobre quem lhe pede o voto. Foi o que a ex-prefeita Marta alegou e tornou a alegar para justificar, afinal em vão, as torpes insinuações de sua propaganda sobre o estado civil de Kassab. E essa suposta verdade, mandam os manuais do vale-tudo, deve abranger não apenas uma seleta da trajetória de cada qual, as passagens de seu currículo de que, em retrospecto, ele não teria motivos para se orgulhar, os pontos vulneráveis de seu desempenho na esfera pública. Mas também aquelas suas idéias, crenças, atitudes e condutas que dizem respeito à vida privada do candidato - e, sobretudo, são manifestamente irrelevantes para o que dele se possa esperar no exercício de um mandato executivo.
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