Lérias
Acidente
Sidney Borges
Dia desses, ouvindo rádio, escutei o lamento de Raul Seixas: “eu calço trinta e sete e meu pai só me compra trinta e seis”. Voltei de imediato à infância. Minha primeira façanha digna de orgulho foi aprender a andar de bicicleta. Sem as rodinhas de apoio. Uau! Passei aquela noite sonhando com um acelerador de relógio. Eu queria que o tempo passasse depressa para chegar logo a manhã. Andar de bicicleta era o máximo. Eu era o herói e se tivesse cavalo ele certamente falaria inglês. Dias depois chegou um presente de Antonina, meu avô enviou a bicicleta da minha tia para mim. Aí entra a música do Raul, eu precisava de uma bike aro 16, ganhei uma aro 28. Sueca, bonita, Hermes, com freio no pedal. Partindo do pressuposto que se não tem tu vai tu mesmo, comecei a singrar as ruas da vizinhança me equilibrando em pé. Sentado eu não alcançava os pedais. A prática leva à perfeição, depois de algumas semanas e alguns tombos, comecei a me sentir o Eddy Merckx do Pari. E apostar corridas com os meus amigos. E foi em uma dessas disputas que eu fiz uma curva na maior vula e encontrei um obstáculo. Encontrei e, a bem da verdade, derrubei. Enquanto o mundo girava deu para ouvir o grito de desespero: Êeeeeiiitaaaa! Valha-me Nossa Senhora! Fui para o chão enquanto dos céus descia uma inesperada chuva de penas. Tive a sensação de ter atropelado um pássaro gigante. Olhei para os lados e então percebi as escovas, os espanadores e um par de óculos escuros. Um garoto negro, ou melhor, azulão de tão preto, com dois olhos redondos feito jabuticabas me olhava feio:
- Num sabe guiá, pruquê fica correndu? Barberu!
Sentado na calçada, aparentando estranheza, um senhor de terno azul olhava fixamente para nada. Foi o primeiro cego que eu vi. E atropelei. Do Instituto Padre Chico. Ainda hoje isso me incomoda. Garanto que foi sem querer. Mas tenho certeza que está no meu prontuário cármico.
Sidney Borges
Dia desses, ouvindo rádio, escutei o lamento de Raul Seixas: “eu calço trinta e sete e meu pai só me compra trinta e seis”. Voltei de imediato à infância. Minha primeira façanha digna de orgulho foi aprender a andar de bicicleta. Sem as rodinhas de apoio. Uau! Passei aquela noite sonhando com um acelerador de relógio. Eu queria que o tempo passasse depressa para chegar logo a manhã. Andar de bicicleta era o máximo. Eu era o herói e se tivesse cavalo ele certamente falaria inglês. Dias depois chegou um presente de Antonina, meu avô enviou a bicicleta da minha tia para mim. Aí entra a música do Raul, eu precisava de uma bike aro 16, ganhei uma aro 28. Sueca, bonita, Hermes, com freio no pedal. Partindo do pressuposto que se não tem tu vai tu mesmo, comecei a singrar as ruas da vizinhança me equilibrando em pé. Sentado eu não alcançava os pedais. A prática leva à perfeição, depois de algumas semanas e alguns tombos, comecei a me sentir o Eddy Merckx do Pari. E apostar corridas com os meus amigos. E foi em uma dessas disputas que eu fiz uma curva na maior vula e encontrei um obstáculo. Encontrei e, a bem da verdade, derrubei. Enquanto o mundo girava deu para ouvir o grito de desespero: Êeeeeiiitaaaa! Valha-me Nossa Senhora! Fui para o chão enquanto dos céus descia uma inesperada chuva de penas. Tive a sensação de ter atropelado um pássaro gigante. Olhei para os lados e então percebi as escovas, os espanadores e um par de óculos escuros. Um garoto negro, ou melhor, azulão de tão preto, com dois olhos redondos feito jabuticabas me olhava feio:
- Num sabe guiá, pruquê fica correndu? Barberu!
Sentado na calçada, aparentando estranheza, um senhor de terno azul olhava fixamente para nada. Foi o primeiro cego que eu vi. E atropelei. Do Instituto Padre Chico. Ainda hoje isso me incomoda. Garanto que foi sem querer. Mas tenho certeza que está no meu prontuário cármico.
Comentários
As vezes me pergunto:porque será que tem certas coisas do passado que volta a tona e nos pertuba?
Não sei te responder,pois tb já passei por isso,mas em outras situações.
Desculpe invadir seu espaço sem pedir permissão.
Boa noite.
beijooo.