Ideologia

Capitalistas de esquerda

Como não dá para mudar tudo isso que está aí, resta aos esquerdistas brasileiros seguir o mesmo caminho dos europeus: revolucionar-se a si próprios

Mario Sabino
O que é ser de esquerda? O que já foi uma indagação política hoje é muito mais uma questão existencial para os brasileiros que se incluem nessa categoria. Com o desmoronamento da União Soviética, em 1991, tornou-se comum – na verdade, quase um lugar-comum – dizer que os conceitos de direita e esquerda haviam sido aposentados. Afinal de contas, o embate entre capitalismo e socialismo, que assombrava o mundo desde o início do século XX, chegara a seu termo, com a vitória definitiva do primeiro e a conseqüente morte do segundo ("o fim da história", na expressão consagrada pelo professor americano Francis Fukuyama). Uma década e meia depois do colapso soviético, o socialismo continua no escaninho de projetos inviáveis da humanidade, mas o espírito de esquerda permanece vivo – e, por oposição, também o de direita, ao menos para os esquerdistas. Para tentar responder à pergunta sobre o que isso significa, é preciso retroceder à noção original, marxista, segundo a qual alguém de esquerda deveria necessariamente ser:


• adepto da idéia de que o motor da história é a luta de classes;
• pela destruição do capitalismo e conseqüente extinção da propriedade privada;
• pela implantação do socialismo e estatização da propriedade e dos meios produtivos;
• contra a democracia representativa ou "burguesa";
• pela ditadura do proletariado com o estabelecimento de um partido único.


Esse figurino esgarçado veste alguns poucos e venerandos zumbis, desta e de outras latitudes, que ainda enxergam nele o Velo de Ouro. Mas o que conta são as personalidades e grandes partidos autodeclarados de esquerda dos países democráticos – e, em tal universo, ninguém mais leva a sério os preceitos marxistas. O primeiro movimento nesse sentido partiu da Itália, onde o Partido Comunista se afastou da nave-mãe soviética na década de 70, formulou nos anos 80 a hipótese de que, entre o capitalismo e o socialismo à la russa, poderia haver uma "terceira via", trocou de nome duas vezes na década de 90 e atualmente é uma agremiação que aceita a economia de mercado, apesar dos vagos e nostálgicos acenos retóricos ao socialismo (seu slogan, "Um outro mundo é possível", convenhamos, soa a algo como "Elvis está vivo"). A metamorfose dos vermelhos italianos permitiu que o partido mantivesse a sua força, sem que ocorresse uma grande transferência de eleitores para outros grupos também à esquerda no espectro político – problema enfrentado por comunistas espanhóis e franceses, que demoraram demais em renunciar ao filossovietismo e, por essa razão principalmente, perderam muitos seguidores. "Dos comunistas europeus, os italianos foram os que fizeram a renovação mais precoce e profunda e, assim, foram os únicos que conseguiram se manter no jogo", diz o sociólogo Caetano Araújo, da Universidade de Brasília, estudioso dos partidos comunistas.
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