Literatura

A nova força avassaladora da escrita

Em Flores Azuis, Carola Saavedra aposta no poder modificador da palavra

Ubiratan Brasil
A concentração monástica é o melhor recurso encontrado por Carola Saavedra para escrever seus livros em um período não tão longo. Foi assim com o primeiro romance, Toda Terça, produzido durante um ano sabático em Berlim, na Alemanha. Aconteceu o mesmo com o seguinte, Flores Azuis, articulado durante um momento em que ela descartou viagens, cancelou compromissos, evitou encontros literários.

"Foi um trabalho mais forte porque, dessa vez, eu estruturei todo o livro mentalmente antes de começar a escrever", conta Carola que, além de ter nascido no Chile, viveu também na Alemanha, Espanha e França, alternância que facilitou sua visão sobre a questão do estrangeiro. "Eu sentia a necessidade de tomar um rumo diferente do utilizado na criação de Toda Terça, que é um romance marcado especialmente pela ausência, até pela covardia. Assim, Flores Azuis começou com a idéia de valorizar o extremo do amor, de pessoas que se jogam de cabeça em uma relação."
Outra intenção da autora era tratar da sedução da escrita e da literatura. Daí a opção por uma forma de comunicação, a correspondência em papel, que foi rebaixada a um segundo plano com o surgimento de alternativas tecnológicas, como a internet. "A autora das cartas, A., não poderia utilizar o e-mail, por exemplo, pois, além da linguagem ser diferente (não é poética, ao contrário: é mais direta, muitas vezes desprovida de emoção), há a questão da perenidade - enquanto uma carta normalmente é guardada, o correio eletrônico é muitas vezes rapidamente descartado."E é por meio da correspondência que A. quer reconquistar o amante, da mesma forma que, sem saber, hipnotiza Marcos. Curiosamente, é a partir do extravio de correspondência, que talvez não seja tão acidental como parece à primeira vista, constrói-se uma trama virtual que une os caminhos da misteriosa A. e do perplexo protagonista. "Ela seduz a pessoa errada pelos motivos errados", observa Carola. "Ao mesmo tempo, tem a necessidade de fixar o passado, mesmo que ele não ajude a modificar o presente."
Desse entendimento cruzado, surge outra qualidade da narrativa: além da construção engenhosa do texto, que impõe uma prosa refinada, desponta ainda a valorização do não-dito, ou seja, as intenções propostas por A. que são entendidas de forma diferente por Marcos. "Tentei criar um vão entre o que pretende dizer o escritor e o entendimento de quem lê."
Com isso, Carola oferece as pistas para a construção do leitor ideal, ou seja, aquele sujeito que permite a escrita entrar em sua vida, modificando-a, clareando caminhos antes dispersos e impenetráveis. Um trabalho que ela persegue em sua curta mas elogiável carreira. Afinal, em seu livro de estréia, Do Lado de Fora (7Letras), Carola criou contos que retratam a fragilidade do relacionamento em uma sociedade cada vez mais afetada pela velocidade do viver, incentivando o egocentrismo, a perversidade e a busca pelo prazer imediato.
Em Toda Terça, que vai ser adaptado para o teatro (veja no quadro ao lado), o que novamente se destaca na história é o que não é dito, aquelas sensações que os personagens apenas sugerem e que possibilitam ao leitor construir aquele quebra-cabeça mental - a linearidade do romance não atrai a escritora.
Carola lançou-se também em outro desafio, novamente bem sucedido: além de alternar formas distintas de linguagem, seu romance traz discursos diferentes, criados por um homem e uma mulher. As pequenas particularidades que diferenciam um e outro são revelados sem distorções, ou seja, sem que a fala seja exageradamente masculina ou feminina. "Venho de uma família de homens: tenho quatro irmãos, cuja convivência me permitiu observar atitudes, falas, pensamentos", explica. "Foi o que ajudou, por exemplo, a demonstrar as dificuldades de Marcos em ajudar na criação da filha, Manuela, que vive com a ex-mulher. A paternidade nem sempre é bem aceita pelos homens."
Carola sabe que toda ficção é mentira; mas é uma mentira que deve soar como verdadeira. Ao começar a escrever, o autor deve encontrar também um estilo, o que o obriga a passar por esse período de procura. Nem sempre o alvo é atingido na primeira flechada - enquanto em Mosquitões (um de seus primeiros romances) a escrita beira o medíocre, em O Som e a Fúria, William Faulkner encontra o estilo labiríntico e majestoso que irá caracterizá-lo. Carola, no entanto, a julgar pelo que já oferece, segue em uma tranqüila linha reta. (Caderno 2)

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