Artigo

Haja ciência

Atenéia Feijó
Começava a anoitecer e eu buscara Júlia na escola. Havia chovido. Vínhamos as duas andando pela calçada, quando uma nuvem se deslocou e a lua apareceu. "Vovó, olha lá a lua". Olhei. "Vovó, quando eu era pequenininha pensava que a lua era feita de queijo." Sorri. "E agora, você pensa que ela é feita de quê?" Seus olhinhos brilharam. "De meteoros e pedras lunáticas!" Júlia tem 6 anos, adora desenhos animados de ficção científica, curte os personagens do Sítio do Picapau Amarelo e lê os quadrinhos da Mônica. Sem dispensar as histórias clássicas da literatura infantil. Teatro... Ah, também gosta de ser sabida em coisas do tipo "a gasolina dos carros é feita com laminha de dinossauro".
Ela é curiosa como a maioria das crianças de sua idade. Que às vezes nos faz perguntas embaraçosas. Aí, quando não se tem a resposta e não há um recurso de pesquisa por perto, a única saída é confessar com toda a dignidade: "não sei". Em seguida, propor descobrir junto com a criança o que ela quer saber. Ou, conforme for, ensinar-lhe que existem coisas ainda inexplicáveis. Mas sem jamais desestimular sua curiosidade que aflora intensamente nessa fase da vida. Na qual, a capacidade de aprendizado é fantástica. Nada a ver com simples memorização ou a popular decoreba. Estou sintetizando o que cientistas e educadores costumam observar.
Na verdade, crianças inteligentes e curiosas, de qualquer lugar do mundo e condição sócio-econômica, precisam ser cuidadas e estimuladas para escapar do círculo vicioso da ignorância que se alimenta da ignorância. Sim. E tem mais, nem só carinho e estímulo são suficientes se não lhes forem dadas também ferramentas essenciais para pensar.
Esse assunto me entusiasmou porque estive, semana passada, na Fundação Oswaldo Cruz, onde se realizava o evento Ciência e Arte 2008. Muitos projetos apresentados em palestras, cartazes e conversas. Gostei particularmente de um; o da Creche Fiocruz: "Ciência e arte na educação infantil - trabalhando a dengue com crianças da pré-escola". Crianças de 4 a 5 anos haviam construído um mosquito com sucata e examinado o aedes aegypti de verdade num microscópio, entre outras várias atividades. Uma "brincadeira científica" levando em conta o meio ambiente (com seus sistemas sociais, políticos e econômicos) da criançada carioca.
Sem brincadeira, desconfio que o método da ciência por experimentação e avaliação dos resultados tem mais aplicações do que se imagina. Bolsa família, por exemplo, não é um experimento? E a mudança na taxa de juros? E a distribuição de preservativos? E as campanhas eleitorais? Ignorar resultados de experimentos por discordâncias ideológicas é bobagem. Problemas sutis e complexos exigem soluções sutis e complexas. Haja ciência.
(Do Blog do Noblat)

Atenéia Feijó é jornalista e mora no Rio, onde trabalhou no Jornal do Brasil, nas revistas Manchete, Geográfica Universal, Fatos e Fotos, Cláudia e Marie Claire. Embrenhou-se muitas vezes pelos confins deste Brasil, numa época em que não existia telefone celular. Volta e meia sumia na Amazônia de onde voltava com grandes reportagens. É carioca, escritora e avó de Júlia.

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