Angra 3

Exigências injustificadas

Edson Kuramoto
A obtenção pela Eletronuclear da licença prévia de Angra 3 é um grande avanço para o país e um fato a ser comemorado como um atestado à segurança da geração nuclear e à seriedade do setor na preservação do meio ambiente. Entretanto, algumas das exigências impostas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ao licenciamento são inusitadas, como a que requer a construção de um depósito final de rejeitos de alta atividade nos próximos quatro anos. Essa atividade é de competência da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), que, de acordo com a Lei no. 10.308, de 2001, é responsável pelo licenciamento nuclear. A sobreposição de atribuições causa atraso na concessão do licenciamento ambiental e nuclear e, conseqüentemente, no início da construção de Angra 3, e implica aumento desnecessário do custo do empreendimento.
Além disso, essa exigência não se justifica do ponto de vista técnico, econômico, estratégico e regulatório. O combustível queimado nos reatores nucleares deve permanecer no mínimo dez anos em tanques especialmente projetados para armazená-los de forma segura – não seria possível o transporte antes desse período, por causa do nível de radiação. Trata-se de uma prática adotada em usinas nucleares do mundo inteiro, de acordo com as diretrizes da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), e que, no Brasil, é regulada pela Cnen.
Já existem soluções disponíveis que envolvem o armazenamento dos rejeitos em repositórios construídos em formações geológicas estáveis por milhares de anos, como minas de sal e depósitos de granito. Suécia e Finlândia já operam depósitos finais. Os Estados Unidos têm o projeto de Yucca Mountain, que deve entrar em operação em 2017 e permite o reaproveitamento do combustível.
Essa é outra questão que precisa ser debatida antes de se decidir a destinação final dos resíduos. O combustível usado nos reatores nucleares ainda pode produzir mais energia. Países como França, Inglaterra e Japão reprocessam esse material e utilizam o novo combustível em reatores específicos.
Antes de construir o depósito final, o Brasil deve decidir se vai reprocessar seu combustível queimado. Também deve definir qual será a dimensão de seu programa nuclear, pois o tamanho do depósito final dependerá do volume de resíduos que será armazenado. A França tem um parque nuclear com 55 usinas, todas em operação há mais de 20 anos, e, mesmo assim, planeja construir seu repositório final a partir de 2025. Mas o Brasil não está parado em relação a isso: a Cnen tem projeto de depósito capaz de armazenar os rejeitos das usinas de Angra por até 500 anos.
Mais premente é a construção de um depósito para rejeitos de baixa e média atividade – materiais como resinas, filtros e vestimentas e utensílios usados pelos trabalhadores das usinas. A Cnen pretende ter o projeto detalhado e o local que abrigará o repositório definido até 2010. Os municípios que abrigarem rejeitos radioativos, por lei, terão direito a compensação financeira, o que estimulará as prefeituras a receber os depósitos. Estes, por sua vez, serão construídos fora de áreas urbanas e não apresentarão nenhum risco à população e ao meio ambiente.
Outra exigência incongruente feita pelo Ibama é a de que o monitoramento ambiental em torno da central nuclear de Angra seja realizado por órgãos independentes, como universidade ou empresa privada. Ora, esse monitoramento é de competência da Cnen, que delega a atividade ao Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD), no Rio de Janeiro, órgão capacitado e qualificado para exercer essa tarefa. Não existe empresa “independente” no mercado com essa qualificação.
O mesmo vale para as exigências de análise de risco, que são parte do licenciamento nuclear. A Cnen tem normas específicas para a construção de usinas nucleares que incluem esse requisito, com profissionais capacitados para isso.
Entende-se a preocupação do Ibama em ser rigoroso no licenciamento de Angra 3, pois sofre pressões de todos os lados, inclusive de ONGs ambientalistas contrárias à construção da usina. Mas o instituto não se pode deixar influenciar a ponto de extrapolar os limites de suas atribuições, cometendo excessos em suas exigências. (Fonte Nuclear)

*Artigo publicado em O Estado de São Paulo no dia 03/09/2008
Edson Kuramoto
Diretor de Comunicação da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN)*

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