Ponto de vista

Inchaço versus desenvolvimento

Ernesto F. Cardoso Jr.
Os espaços urbanos tem limites à ocupação humana com vistas ao bem-estar de suas populações. A infringência desses limites é a principal causa das condições subhumanas em que vivem as populações de certas cidades e dos males daí derivados, indistintamente, em qualquer parte do mundo.
É de todos sabido que um rebanho, criado livre no campo, necessita de uma certa área mínima, por cabeça, para que a natureza possa prover o alimento natural dos pastos. Esse espaço mínimo é fundamental ao seu bom desenvolvimento físico e equilíbrio emocional. Situação similar se dá com os seres humanos, sendo necessário atentar que diferentemente dos animais irracionais, a consciência racional dos seres humanos suscita-lhes necessidades espaciais muito além daquelas que minimamente possam satisfazer os animais.
O processo de maciça migração humana das áreas rurais para as urbanas, ocorrida no Brasil após a II Guerra Mundial, em decorrência do maior progresso havido no desenvolvimento industrial e menor e mais lento no setor agrícola, as condições de melhor atendimento social nas cidades, a legislação trabalhista que inicialmente privilegiou o trabalhador da indústria, além de outros fatores, causou o triste desenvolvimento das favelas e dos bairros periféricos desprovidos de infra-estrutura. Em 2005, estimou-se que cerca de 34% da população brasileira vivia em favelas, ou seja, cerca de 52,4 milhões de pessoas. Esses inchaços ocupacionais humanos, desrespeitando os espaços mínimos de bem-estar físico, social e emocional que o ser humano necessita, acarretaram a terrível situação social que enfrentam o Rio e as demais grandes cidades brasileiras e que já se faz sentir nas de menor população. Mesmo as cidades cujos territórios podem se expandir em grandes dimensões, teoricamente capazes de abrigar populações crescentes, esbarram na incapacidade econômica temporal de prover a mínima infra-estrutura física e social, pari passu com esse crescimento.
A questão torna-se, porém, absolutamente crítica quando os espaços de ocupação humana são limitados por condições geográficas e ambientais. Ubatuba, a exemplo de outras cidades em situação idêntica, espremida de um lado entre áreas de preservação de matas e florestas, compondo um maciço montanhoso de 700 m de altura e de outro, das águas de mares e rios, cuja preservação é fundamental à sua sustentabilidade econômica, tem no equilíbrio “contingente populacional/meio ambiente” a chave de seu desenvolvimento. Diversamente das cidades que podem estender seu território acompanhando o crescimento populacional, a nossa, contrariamente, tem na contenção desse crescimento, dentro de limites preservacionistas ambientais inelásticos, a chave de seu desenvolvimento equilibrado, harmônico, ou seja, o bem estar de sua população e dos que para aqui afluem em busca de lazer, prazer e diversão, diga-se, sua atividade turística.
Esta é uma realidade que precisa ser percebida e apreendida por todos que aqui vivem. No passado era comum associarmos o desenvolvimento de uma região ao seu crescimento populacional. Recordo, em minha juventude, na rixa entre cariocas e paulistas, que comparávamos as duas cidades nesses termos. Triste sina, pois, ambas eram, então, mais bem desenvolvidas do que o são atualmente. Bastaria notar as atuais dificuldades de locomoção, o grau de poluição ambiental, a generalizada insegurança pública, a deficiente infra-estrutura, além de outros males causados pelo inchaço populacional e conseqüente deterioração da qualidade de vida.
Nem sempre atentamos para a conceitual distinção entre inchaço populacional e crescimento harmônico sustentável (aqui, sim, cabe bem esta expressão, já tão corriqueira que nem sempre alcança sentido). Assim como o inchaço no corpo humano é sinal de doença, um mal a ser debelado e nunca um desenvolvimento a ser alimentado, e que se não curado derivará outros males que poderão levar à morte, nas cidades não é diferente o fenômeno dos inchaços populacionais. São sinal de grave disfuncionalidade social, acarretadora de outros males, desde a estagnação ao esgarçamento completo do tecido social.
Algumas cidades começam a perceber que a ocupação humana deve obedecer seus limites espaciais. Na China não se deixou esta constatação ao sabor individual, mas, é lei a contenção populacional, como único meio de sustentar e melhorar a condição de vida de suas populações. É importante notar que dá-se na família o mesmo fenômeno que nas cidades, vistas como agrupamentos de indivíduos. A riqueza e bem-estar daquela é em grande parte função do número de familiares sob um mesmo teto, como nestas seu contingente populacional. Não é só a renda que define o nível de riqueza, mas, em especial, sua diluição pelo universo de indivíduos a serem sustentados. Nossas populações menos ilustradas ainda vêem na quantidade de filhos sua segurança futura. A premissa que parece não entenderem, é que a menos que esses filhos sejam colocados no mercado de trabalho muito cedo, em prejuízo de sua formação educacional e profissional, serão ao invés, um encargo pesadíssimo, além do que, dada a qualificação hoje exigida pelo mercado, os menos qualificados irão disputar trabalho menos rendoso.
Em cidades onde o turismo é a principal atividade econômica, os inchaços populacionais acarretam males que diretamente conflitam e destroem essa vocação. São cidades que tem de apresentar um ambiente social equilibrado que reflita segurança e o bem-estar de seus cidadãos; tem de apresentar beleza e refinada infra-estrutura que propicie prazer de lá estar. Tais cidades tem de investir, maciçamente, nessa estrutura, ao invés de ter de comprometer parte substancial de suas receitas em atendimento ao seu crescimento populacional, como em creches, postos de saúde, ensino fundamental e outros equipamentos sociais que, em si, pouco tem a ver, diretamente, com o desenvolvimento de sua vocação. É uma antinomia uma cidade turística apresentar esta distorção nas prioridades de seus investimentos.
Campos do Jordão, ao que sabemos, entre as cidades turísticas de nossa região, tomou a dianteira em se propor determinar um limite ao seu crescimento populacional exógeno, o crescimento derivado das migrações.
Tudo isto fundamentaria, sem sombra de dúvida, nas cidades turísticas de nossa região, os processos de congelamento, para posterior regularização fundiária, das áreas ocupadas irregularmente. È uma ação de coragem que necessita da compreensão de todos e que não deve servir a discursos demagógicos.
Seria oportuno lembrar que em grande parte os inchaços populacionais aqui ocorridos, não o foram por razões naturais de um prévio desenvolvimento econômico, mas, por irresponsáveis surtos de instigação à ocupação irregular, eleitoralmente intencionada, no intuito personalista de angariar votos, de criar currais eleitorais, num imediatismo indesculpável a qualquer que pretenda alardear um mínimo de amor a esta terra, ou interesse em seu desenvolvimento. Foi, assim, que ocorreram as ocupações das encostas, das margens dos rios, das áreas de preservação da Mata Atlântica, das fontes de água potável, etc. e que agora tem de ser contidas e corrigidas pela necessidade de darmos qualidade de vida a esses próprios migrantes, ao mesmo tempo que temos de preservar nosso maior patrimônio, razão de nossa vocação.
Esta é uma ação que tem de atender, também, às exigências bem-vindas, apesar de tardias, das novas legislações ambientais e preservacionistas que exigem prazos e estabelecem condições objetivas de correção destas anomalias e atentados ao meio ambiente. Cumpri-las, exige ação corajosa que não deveria prestar-se à demagogia, na tentativa de confundir as populações atingidas por essas retificações e correções. Não se pretende prejudicar essas populações aqui já fixadas, sujeitas agora ao processo de regularização fundiária, mas, sim, reorganizar essa ocupação para melhoria de seu próprio bem-estar. Ainda aqui, manifesta-se a boa índole do brasileiro e sua leniência. O que em outros países seria corrigido na medida da imputação da infringência legal, aqui é tratado com a sensibilidade e a responsabilidade que a sociedade reconhece ter, da dívida social com essas populações mais carentes e aproveita a situação para prover-lhes, efetivamente, uma redistribuição de renda e de benefícios sociais.
É importante, pois, que neste momento de efervescência eleitoreira, não se dissemine a distorção dos fatos entre essas populações, antes, seria bom observar que desta vez não estão ocorrendo invasões de áreas para cultivo de votos, como várias vezes ocorreu em passado recente. Não estamos esquecidos dos nomes de políticos que foram associados à determinadas invasões. Seria salutar que com a consciência mais firmada da necessária e oportuna regularização fundiária e da melhoria da qualidade de vida que isto trará aos beneficiados que os “ex-bem-feitores” reflitam sobre as profundas feridas sociais e ambientais que causaram, em absoluto desamor à terra.

Comentários

Anônimo disse…
Esclarecedor!!!
Situação instalada, não há como reverter.
Se compararmos nosso municipio com alguns do mesmo porte no litoral sul de São Paulo, por exemplo Peruibe, dá vontade de chorar.
"Povo limpo não é o que limpa muito e sim o que não suja.

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