Opinião

No Vietnã, remexendo na ferida

Editorial do Estadão
Não é incomum um chefe de governo cometer gafes no estrangeiro, em razão de distrações - como a de Reagan, em visita a Brasília, confundindo o Brasil com a Bolívia -, de estudada deliberação, com propósitos políticos - como de De Gaulle, no Canadá, referindo-se ao ''Quebec Livre'' -, e até do descuido preconceituoso, como o que levou o presidente Lula a dizer, numa cidade africana, que esta ''era tão limpa que nem parecia África''. Mas o que sucedeu na visita do presidente Lula ao Vietnã foi uma gafe absolutamente extemporânea, um remexer gratuito de ferida, constrangedor para as autoridades vietnamitas e desconfortável para a diplomacia norte-americana.
Ao visitar o general Vo Nguyen Giap (de 98 anos), estrategista militar que levou às vitórias contra a França e os Estados Unidos, o presidente Lula lhe disse que ''todos aqueles que amam a democracia'' o tinham ''como referência''. Certamente, entre todos os elogios que já ouviu em sua vida, o provecto militar jamais fora brindado com uma referência a serviços prestados à causa da democracia - e é improvável até que quem sempre pertenceu aos quadros de um partido totalitário e fez parte de um governo despótico entendesse a referência. Mas nosso presidente não se contentou com apenas esta exibição de desinformação histórica, política e cultural.
Numa entrevista coletiva, depois de dizer que no começo dos anos 60 era despolitizado, mas, como corintiano (já que ''o Corinthians vivia uma época difícil''), aprendera a ''ficar do lado dos fracos e oprimidos'', deu a sua versão da Guerra do Vietnã: ''Os vietnamitas eram baixinhos, magrinhos, contra os americanos, fortes, alimentados com hambúrguer.'' Os desavisados poderiam até pensar que o governante brasileiro estaria a propagar os méritos da tão criticada junk food norte-americana ou fazendo o elogio disfarçado do principal produto da odiada McDonald''s. Mas o que causa estranheza maior do que a atribuição de características de ''força'' ou ''fraqueza'' de povos em guerra, em razão do peso e do tamanho das pessoas - e isso diante de um homem que não deve passar muito do metro e meio de altura -, é a impressão de tratar uma grande tragédia, como foi a Guerra do Vietnã (na qual morreram 58 mil norte-americanos e cerca de 3 milhões de vietnamitas do sul e do norte), como se fosse uma disputa entre seleções de futebol, nos termos: ''Não é pouco para um povo derrotar franceses e norte-americanos no mesmo século.''
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