Opinião

A agenda da mordaça

Editorial do Estadão
De algumas eleições para cá, uma tendência inquietante parece ganhar corpo nas esferas incumbidas de zelar pelo cumprimento da legislação destinada a promover a igualdade de oportunidades na disputa do voto popular. Motivados, é de presumir, pela preocupação com o exercício efetivo da democracia política no Brasil, procuradores e juízes eleitorais vêm tomando decisões não apenas juridicamente insustentáveis, mas, sobretudo, hostis ao princípio constitucional em que se assenta a própria ordem democrática: o direito à informação e à liberdade de informar. É como se, para assegurar o respeito às normas que regem o processo eleitoral - e que os políticos, e não os órgãos de imprensa que divulgam os seus atos e palavras, costumam ser os primeiros a transgredir -, setores do Judiciário parecessem se pautar por uma verdadeira agenda da mordaça.
A evidência mais recente - e notória - dessa propensão para a censura está na sentença do juiz auxiliar da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, Francisco Carlos Shintate. Com base em representações do Ministério Público Eleitoral, ele multou o jornal Folha de S.Paulo e a revista Veja São Paulo por terem publicado entrevistas com a pré-candidata do PT à Prefeitura paulistana, Marta Suplicy. Ela também foi multada. Cabe recurso. O juiz entendeu que as entrevistas configuraram exercício ''inadequado'' da liberdade de informação, ''a ponto de caracterizar propaganda eleitoral extemporânea''. (A campanha começa em julho.) Além disso, em comunicado, ele equiparou ao princípio constitucional em que se fundamenta a imprensa livre aquele que ''garante a igualdade dos candidatos''. O erro de partida é gritante.
A sentença confunde jornais e revistas, de um lado, com emissoras de rádio e televisão, de outro. Estas, por ocuparem um espaço público, de resto limitado pela natureza - as freqüências por onde trafegam os sons e as imagens emitidas -, dependem de concessão do Poder Executivo para operar. Concessionárias não podem levar ao ar o que queiram e quando queiram - e se expõem a penalidades, em tese até a perda das licenças, caso passem dos limites estabelecidos. Em anos eleitorais, não podem dar voz e vez a um ou alguns candidatos, em detrimento dos outros. Se promovem debates entre postulantes a mandatos executivos, não podem excluir nenhum deles - mesmo que, num efeito perverso, a presença dos candidatos notoriamente de aluguel afugente parcelas significativas do eleitorado. Por fim, a elas se aplicam as mesmas regras do calendário eleitoral que valem para os políticos (os quais não raro as burlam).
Leia mais

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu