Inverno chegando

Noite mal dormida

Sidney Borges
Meu despertar inesperado começou com uma discussão acalorada entre quero-queros. Não sei quantos eram, devia ser um número par. Esses pássaros simpáticos e barulhentos formam casais que perduram pela vida. A pitbull do vizinho comprou a briga e resmungou alto, imagino que repreendendo os brigões.
Acordei. Tentei colocar protetores auriculares mas era tarde. O sono tinha isso embora. Levantei-me e fui para a sala. Na televisão começava um programa da série ”Desperate Housewives”, donas de casa desesperadas em português. Olhei o relógio, três e cinco da manhã. Sinceramente não gostei do programa, nunca mais assistirei, talvez seja interessante para os gringos, mas o nosso way of life é tão diferente, tão mais significativo, que ver aquelas peruas gastando dinheiro em shopping centers não me pega mais.
Às quatro o sono voltou, dormi uma hora e meia no sofá, depois voltei para o quarto e embarquei em mais uma etapa até a hora de levantar.
Enquanto permanecia acordado repassei uma entrevista do programa de literatura da TV Senac. Como peguei o bonde andando não sei quem era o entrevistado, sei apenas que era um senhor explicando como se tornou escritor. A revelação começou quando ele era delegado de polícia no Rio de Janeiro e esteve em São Paulo a trabalho, no longínquo ano de 1966. Ao retornar, enquanto matava o tempo na rodoviária velha, atravessou a rua e comprou um livro de Carlos Heitor Cony para ler no ônibus. Leu de cabo a rabo e ao fechar o livro pensou: escrever é isso? Então vou escrever também, é muito fácil.
Sempre que leio Cony o mesmo sentimento aflora em minha alma. Ele escreve de forma tão simples que parece fácil. Cony é escritor, eu sou aprendiz. Mas vou continuar me esforçando, um dia chego lá.

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