Opinião

Espaço público, espasmos íntimos

Eugênio Bucci
Antigamente, a imprensa pecava por invasão de privacidade. Agora, ela é vítima das chamadas ''evasões de privacidade''. Antes, o jornalista errava quando rompia as fronteiras da vida íntima de quem quer que fosse. Naquela época, os escândalos eram uma ex-primeira-dama tomando sol no quintal de casa ou as declarações eróticas de um nobre inglês captadas por um gravador escondido. Os escândalos eram garimpados por invasores de privacidade. Mais recentemente, algo se inverteu. Agora, as privacidades não esperam para ser invadidas. Ruidosa e alegremente, tratam logo de se evadir. Saem correndo, por sua própria conta, para o meio da rua. E fazem os escândalos de antigamente parecer brincadeira de criança.

O mercado das privacidades cresceu vertiginosamente. A indústria do entretenimento - que acabou engolindo o negócio, antes autônomo, dos veículos jornalísticos - especializou-se no ramo. Os reality shows talvez sejam a face mais escancarada dessa tendência, mas estão longe de ser a de maior alcance. Quase todo o noticiário evolui como um reality show desgovernado. As celebridades são célebres exatamente porque transformam a própria intimidade numa encenação, numa ''obra aberta'', incluindo aí suas núpcias seqüenciais, o nascimento dos filhos e os velórios de familiares. Fazem a festa das revistas e dos chamados programas de variedades - invariavelmente invariáveis. A celebridade é célebre porque celebra em público a sua intimidade espetacular - que teria o dom de vingar ou de redimir a miséria íntima dos anônimos amontoados no auditório. De algum modo perverso, todo mundo que é notícia, mesmo que não queira, acaba sendo visto como celebridade.
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