Editorial da Folha de São Paulo

Prisão abusiva

Editorial da Folha de S.Paulo, dia 9 de maio de 2008
A Justiça não se faz em espetáculos de execração, como o transmitido ao vivo, em rede nacional, na noite de quarta. A humilhação a que foram expostos o pai e a madrasta da menina Isabella, brutalmente assassinada aos 5 anos, funciona como punição cruel e indelével, impingida antes e a despeito do pronunciamento da única fonte legítima para atribuir culpa neste caso, o Tribunal do Júri.
O magistrado que decretou a prisão preventiva do casal baseou sua decisão no objetivo de preservar a ordem pública. Não que o pai e a madrasta ameacem outras pessoas nem que planejem fugir: o caso, escreveu o juiz, "acabou prendendo o interesse da opinião pública", a qual "espera uma resposta" do Judiciário. Frustrar essa expectativa seria abalar a ordem pública, pois solaparia a confiança na Justiça.
Trata-se de interpretação que menospreza, em nome de um interesse coletivo bastante difuso, o direito concreto do indivíduo a proteção contra atos abusivos do Estado e da coletividade. Além disso, o juiz fez claro prejulgamento dos acusados, ao desqualificá-los como "pessoas desprovidas de sensibilidade moral".
Réus na ação penal, o pai e a madrasta da garota assassinada alegam inocência. Há indícios periciais que contrariam a versão do casal, assim como existem falhas no inquérito. Não há mal nenhum em que aguardem o julgamento em liberdade.
Concorde-se ou não com a prisão preventiva, a imagem e a integridade física do casal precisariam ter sido protegidas pela polícia. As autoridades estavam obrigadas a frustrar a expectativa da mídia, mas colaboraram ativamente para o show de truculência que foram a prisão e a transferência de duas pessoas que não ofereciam risco.
Esse tipo de ação mercurial, marqueteira, das autoridades pode saciar desejos primitivos de vingança, mas não vai diminuir o descrédito na Justiça. Um processo rápido, bem assentado em provas, em que a ampla defesa não se confunda com protelação prestaria um serviço efetivo. Casos de homicídio que permanecem inconclusos por oito, dez anos após o crime abalam, estes sim e de modo duradouro, a imagem do Poder Judiciário.
A pirotecnia e o massacre do direito de defesa que se verificam no caso Isabella não contribuem em nada para melhorar esse quadro. (Do Blog do Noblat)

Comentários

Anônimo disse…
Caro Prof. Sidney,

Voltando agora da Faculdade, são quase 23h, pude navegar em seu Blog. Parabéns pelo artigo "Prisão abusiva" do editorial da Folha de SP. É bestial...falou tudo que estava há tempos engasgado comigo. Não se pode alimentar a mídia faminta por sensacionalismo, que por sua vez instiga a massa popular para execrar ou até linchar publicamente aquele que sequer fora julgado. Dane-se aqueles que usam e abusam da livre informação para insuflar à la mineirada as "Marias e até os Mários que vão com as outras". Lá no STF ou mesmo no STJ a gravidade do delito e a pressão popular não são considerados requisitos objetivos para sustentar a prisão preventiva; e sim a NECESSIDADE CONCRETA para manutenção da custódia cautelar. Está valendo a aposta da Pizza Gigante que o casal ganhará HC.

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