Opinião

Onde fica o tempo da democracia?

Washington Novaes
Dois pronunciamentos do presidente da República, na semana passada, levaram a memória a dar um salto de mais de uma década para trás, em busca do que diziam os relatórios sobre o desenvolvimento humano editados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). No primeiro desses pronunciamentos, em Campo Grande (MS), disse o presidente que "é humanamente impossível você governar se não tiver medidas provisórias. Porque o tempo e a agilidade com que as coisas precisam acontecer muitas vezes são mais rápidos do que o tempo das discussões democráticas que são necessárias acontecer no Congresso" (Agência Estado, 19/3). No segundo, em Foz do Iguaçu (PR), disse ele: "Nós estamos olhando com muita cautela porque não queremos que uma crise americana, que não fomos nós que criamos, venha a causar uma crise no Brasil. Estamos olhando todo o tempo com lupa" (Agência Estado, 21/3).

Durante toda a década de 1990, os relatórios do Pnud chamaram a atenção para a "necessidade de reinventar a governança para o século 21", diante dos sinais claros de insustentabilidade do panorama global, minado por fatores fora do controle dos governos, principalmente os de países mais pobres. Num tempo em que só o volume diário do mercado de câmbio já ultrapassava US$ 1,5 trilhão (tanto quanto o PIB anual brasileiro de hoje), em que os empréstimos bancários internacionais já estavam próximos de US$ 5 trilhões, em que 70% do comércio mundial (inclusive de cereais) era detido por empresas transnacionais, perguntava o Pnud como poderia o governo de um país, isolado, resistir aos movimentos especulativos e às crises do capital. Hoje, já diziam os relatórios, os governantes têm de operar durante as 24 horas do dia olhando para o computador, para saber o que está acontecendo nos mercados financeiros e cambiais do mundo, que são interligados e não param. Se eles não fizerem isso e não forem capazes de dar resposta imediata, em tempo real, podem naufragar numa crise. Mas - insistiam os relatórios - isso nada tem que ver com os tempos da democracia, que são muito mais lentos, exigem discussão, formação de consenso ou maioria, antes da decisão. A nova situação mundial - concluíam - está matando os tempos da democracia. E criando um gigantesco problema de governabilidade.
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