Nepotismo

PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE UBATUBA
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DO CIDADÃO


RECOMENDAÇÃO

O Ministério Público do Estado de São Paulo, por meio da Promotoria de Justiça da Cidadania da Comarca de Ubatuba, cujo representante abaixo subscreve, com fulcro no art. 27, parágrafo único, IV, da Lei nº 8.625/93, no art. 6º XX, da Lei Complementar federal nº 75/93.
Considerando que incumbe ao Ministério Público à defesa do patrimônio público e social, da moralidade e eficiência administrativas, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, na forma dos artigos 127, caput, e 129, III, da Constituição Federal; artigo 25, IV, “a”, da Lei nº 8.625/93;
Considerando a relevância e a magnitude das atribuições conferidas ao Ministério Público no tocante à defesa do patrimônio público, por força do art. 129, III da Constituição da República e das disposições da Lei nº 7.347/85;
Considerando que são princípios norteadores da Administração Pública e de seus respectivos gestores a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficência;
Considerando que a afinidade familiar entre membros de Poder. ( Juizes, membros do Ministério Público, Secretários, Governadores, Prefeitos, Deputados, Vereadores e membros de Tribunais ou Conselhos de Contas1), ocupantes de cargos de direção e assessoramento e ocupantes de cargos de provimento em comissão e funções gratificadas é incompatível com o conjunto de normas éticas abraçadas pela sociedade brasileira, que estão albergadas pelo Princípio constitucional da Moralidade Administrativa, sendo a sua prática – comumente denominada Nepotismo – repudiada, por decorrência lógica, pela Constituição de 1988;
Considerando que a investidura de pessoas que detenham vínculo de parentesco com os dirigentes estatais já citados em cargo de provimento em comissão ou função gratificadas revela forma de favorecimento intolerável em face de princípio da Impessoalidade, também presumidos pela Carta Magna como inerentes à Administração Pública brasileira, em qualquer de seus níveis;
Considerando que a prática reiterada de tais atos de privilégio, relegando critérios técnicos a segundo plano, em prol do preenchimento de funções públicas de alta relevância através da avaliação de vínculos genéticos ou afetivos traz necessariamente ofensa à eficiência no serviço público, valor igualmente protegido pela Lei Fundamental;
Considerando a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, abalizando a Resolução nº 07 do Conselho Nacional de Justiça, que proíbe o exercício de qualquer função pública em tribunais, que não as providas por concurso, por parentes consangüíneos, em linha reta e colateral, e afins até o terceiro grau de magistrados vinculados aos mesmos, ainda que por meio indireto, como a contratação temporária, a terceirização ou a contratação direta de serviços de pessoas físicas;
Considerando que a mesma decisão, através do voto condutor do Min. Carlos Ayres de Britto na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 12, delineou fundamentos de mérito, confirmando a inconstitucionalidade da prática do Nepotismo à luz dos já asseverados Principio da Moralidade, Eficiência, Impessoalidade e Igualdade – independentemente da atuação do legislador ordinário - , como se apreende do seguinte trecho:
O juízo de que as restrições constantes do ato normativo do CNJ são, no rigor dos termos, as mesmas restrições já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos principio da impessoalidade, da eficiência e da igualdade, sobretudo. Quero dizer: o que já era constitucionalmente proibido permanece com essa tipificação, porém, agora, mais expletivamente positivado. (Voto Min. Carlos Ayres Britto – Relator ADC 12; item 39, p. 09).
Considerando que, de acordo com a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal, os fundamentos de decisões tomadas em sede de controle concentrado de constitucionalidade – do qual a ADC é espécie – são tão vinculantes quantos seus dispositivos e deles inafastáveis, como se pode aferir da decisão do mesmo Pretório na Reclamação 2986/SE, abaixo transcrita:
FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE. RECONHECIMENTO, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DA VALIDADE CONSTITUCIONAL DA LEGISLAÇÃO DO ESTADO DO PIAUÍ QUE DEFINIU, PARA OS FINS DO ART. 100, §, 3º, DA CONSTITUIÇÃO, O SIGNIFICADO DE OBRIGAÇÃO DE PEQUENO VALOR. DECISÃO JUDICIAL, DE QUE ORA SE RECLAMA, QUE ENTENDEU INCONSTITUCIONAL LEGISLAÇÃO, DE IDÊNTICO CONTEÚDO, EDITADA PELO ESTADO DE SERGIPE. ALEGADO DESRESPEITO AO JULGAMENTO, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DA ADI 2.868 (PIAUÍ). EXAME DA QUESTÃO RELATIVA AO EFEITO TRANSCENDENTE DOS MOTIVOS DETERMINANTES QUE DÃO SUPORTE AO JULGAMENTO, ‘IN ABSTRACTO’, DE CONSTITUCIONALIDADE OU DE INCONSTITUCIONALIDADE, DOUTRINA. PRECEDENTES, ADMISSIBILIDADE DA RECLAMAÇÃO, MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
O litígio jurídico-constitucional suscitado em sede de controle abstrato (ADI 2.868/PI), examinado na perspectiva do pleito ora formulado pelo Estado de Sergipe, parece introduzir a possibilidade de discussão, no âmbito deste processo reclamatório, do denominado efeito transcendente dos motivos determinantes da decisão declaratória de constitucionalidade proferida no julgamento plenário da já referida ADI 2. 868/PI, Rel. p/ o acórdão Min. JOAQUIM BARBOSA.
Cabe registrar, neste ponto, por relevante, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no exame final da Rcl 1.987/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORREA, expressamente admitiu a possibilidade de reconhecer-se, em nosso sistema jurídico, a existência do fenômeno da “transcendência dos motivos que embasaram a decisão” proferida por esta Corte, em processo de fiscalização normativa abstrata, em ordem a proclamar que o efeito vinculante refere-se, também, à própria “ratio decidenti”, projetando-se, em conseqüência, para além da parte dispositiva do julgamento, “in abstrato”, de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade.
Essa visão do fenômeno da transcendência parece refletir a preocupação que a doutrina vem externando a propósito dessa específica questão, consistente no reconhecimento de que a eficácia vinculante não só concerne á parte dispositiva, mas refere-se, também, aos próprios fundamentos determinantes do julgado que o Supremo Tribunal Federal venha a proferir em sede de controle abstrato, especialmente quando consubstanciar declaração de inconstitucionalidade, como resulta claro do magistério de IVES GANDRA DA SILVA MARTINS/GILMAR FERREIRA MENDES (“O Controle Concentrado de Constitucionalidade”, p. 338/345, itens ns. 7.3.6.1. a 7.3.6.3, 2001, Saraiva) e de ALEXANDRE DE MORAES (“Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional”, p. 2.405/2.406, item n. 27.5 2ª ed., 2003, Atlas)².
Considerando, por fim, que a já referida decisão na ADC 12, bem como seus fundamentos, tem eficácia geral e “efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal” (Constituição da República, artigo 102, § 2º);


RESOLVE

Recomendar aos Excelentíssimos Srs. Prefeito Municipal e Presidente da Câmara de Vereadores, do Município de Ubatuba, que:

a) efetuem, no prazo de 60 (sessenta dias), a exoneração de todos os ocupantes de cargos comissionados ou funções de confiança que sejam cônjuges ou companheiros ou detenham relação de parentesco consangüíneo, em linha reta ou colateral, ou por afinidade até o terceiro grau com Prefeito, vice-Prefeito, Secretários Municipais, Chefe de Gabinete, Procurador-Geral do Município, Vereadores ou de servidores detentores de cargos de direção, chefia ou de assessoramento;

b) a partir do recebimento da presente recomendação, se abstenham de nomear, ainda que para empresas públicas ou autarquias municipais, pessoas que sejam cônjuges ou companheiros ou parentes até o terceiro grau em linha reta, colateral e por afinidade de quaisquer das pessoas ocupantes dos cargos de Prefeito, vice-Prefeito, secretários municipais, chefe de gabinete, Procurador-Geral do Município, Vereadores ou de cargos de direção, chefia ou de assessoramento, para cargos em comissão ou funções gratificadas, salvo quando a pessoa a ser nomeada já seja funcionária pública efetiva cujo cargo de origem seja de nível de escolaridade compatível com a qualificação exigida para o exercício do cargo comissionado ou função gratificada;

c) a partir do recebimento da presente recomendação, se abstenham de contratar, ainda que para empresas públicas ou autarquias municipais, em casos excepcionais de dispensa ou inexigibilidade de licitação, pessoa jurídica cujos sócios ou empregados sejam cônjuges ou companheiros ou parentes até o terceiro grau em linha reta, colateral e por afinidade de quaisquer pessoas ocupantes dos cargos de Prefeito, Vice-Prefeito, Secretário Municipais, chefe de gabinete, Procurador-Geral do Município, Vereadores ou de cargos de Direção, chefia ou de assessoramento;

d) a partir do recebimento da presente recomendação, se abstenham de manter, aditar, prorrogar ou contratar pessoa jurídica cujos sócios ou empregados sejam cônjuges ou companheiros ou parentes até o terceiro grau em linha reta, colateral e por afinidade de quaisquer das pessoas ocupantes dos cargos de Prefeito, Vice-Prefeito, secretários municipais, chefe de gabinete, procurador-geral do Município, Vereadores ou de cargos de direção, chefia ou de assessoramento;

e) que se abstenham de contratar por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, pessoas que sejam cônjuges ou companheiros ou parentes até o terceiro grau em linha reta, colateral e por afinidade de quaisquer das pessoas ocupantes dos cargos de Prefeito, vice-Prefeito, Secretários Municipais, Chefe de Gabinete, Procurador-Geral do Município, Vereadores ou de servidores detentores de cargos de direção, chefia ou de assessoramento;

f) remetam a esta Promotoria de Justiça, mediante ofício, 15 (quinze) dias após o término do prazo acima referido, cópia dos atos de exoneração e rescisão contratual que correspondiam às hipóteses referidas nas alíneas anteriores, bem como declaração de todos os servidores ocupantes de cargos comissionados ou funções gratificadas no Poder (Executivo ou Legislativo) do Município de Ubatuba, esclarecendo se possui ou não parentesco consangüíneo, em linha reta ou colateral, ou afim até o terceiro grau, ou se é cônjuge ou companheiro de qualquer das pessoas ocupantes dos de Prefeito, Vice-Prefeito, secretários municipais, chefe de gabinete, Procurador-Geral do Município, Vereadores ou de cargos de direção ou de assessoramento, bem como a relação dos contratos mantidos pela Prefeitura Municipal e pela Câmara Municipal de Ubatuba, indicando nome, CNPJ e os sócios das empresas contratadas;
Em caso de não acatamento desta Recomendação, o Ministério Público informa que adotará as medidas legais necessárias a fim de assegurar a sua implementação, inclusive através do ajuizamento da ação civil pública cabível.
Providenciem-se a publicação desta Recomendação em jornais de grande circulação local, na imprensa oficial do Município e no quadro de avisos desta Promotoria de Justiça.


Ubatuba, 24 de janeiro de 2008.

ALEXANDRE PETRY HELENA
Promotor de Justiça

1 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 23 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 663.
² (Reclamação 2986 MC/SE, Relator: Celso de Mello, Decisão: 11/03/205; grifos acrescidos).

Comentários

Anônimo disse…
Que maravilha! Eu havia lido no jornal que o Prefeito de Ubatuba havia resolvido simplesmente ignorar a ação contra o nepotismo, continuando tudo na mesmice para ver no que ia dar. Deu! Esta é uma medida capaz de alterar a face da política nacional, pois será necessário fazer escolhas que não sejam das famílias reais, o que pode gerar mais transparência.
Em Ilhabela, o processo contra o nepotismo encontra-se na Promotoria e no Tribunal de Justiça, arrastando-se desde setembro, o que já está causando estranheza, pois, enquanto a Justiça não se pronuncia, as pessoas continuam ganhando tranqüilamente seus salários de Secretários ou assessores, os quais serão declarados ilegais, após um julgamento. Assim, a população tem o ônus de pagar para ver. Lá são treze pessoas indiciadas, sendo que filhos de "nepots" também são "nepots" (quanto ganham essas famílias por mês do erário público?), fora o nepotismo cruzado, que não está sendo investigado. Estranho como em todo o litoral há influência do nepotismo cruzado de lá, por meio de alguns carguitos-chave, mas fica todo mundo quieto, sabendo que os interesses públicos de sua área de atuação não podem ser integralmente cumpridos nestas circunstâncias.

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