Confissões

Escrever é preciso...

O que poderia esperar da vida um rapaz mulato, pobre, epilético, gago e fraco, na sociedade racista do Brasil escravocrata do século XIX? Órfão de mãe, criado pela madrasta, sem freqüentar escola, trabalhando como vendedor de doces em uma escola burguesa, deveria ter se tornado um João ninguém, como tantos há por aí. Supõe-se que o pobretão assistia a algumas aulas quando o trabalho permitia, eu disse supõe-se. Melhor dizer que foi um autodidata. Esse rapaz mulato, pobre e fraco, acabou por se tornar o maior escritor “negro” da história da humanidade, na visão de críticos respeitáveis. Como não sou adepto desse tipo de classificação digo apenas que Machado de Assis é um de meus escritores preferidos, devo a ele momentos de inesquecível deleite estético. Além de ser notável prosador, aprendeu inglês e verteu obras importantes para o português, caso de Edgar Allan Poe. Dizem os biógrafos que ele dominava o francês, praxe entre os educados do Império e que no final da vida também se expressava em alemão. Comecei a pensar em Machado de Assis ao assistir a entrevista de Nelson Motta no canal Futura, que recomendo aos leitores, televisão de primeiríssima qualidade. Perguntado sobre suas letras, sucessos como: “O Cantador, Saveiros, Dancin’ Days, Perigosa, Como Uma Onda, Coisas do Brasil, Bem Que Se Quis...” Nelson disse que em certo momento optou por ser letrista por lhe faltar talento musical. Caso de amor não correspondido, ele amava a música e por ela era estimado. Apesar de ter estudado violão com afinco, notou que seu futuro como instrumentista seria tocar em bares de hotel, fazendo fundo musical para bêbados. Dom, talento, é o que faz a diferença. Dos bilhões que vem ao mundo, alguns milhares chegam com algum presente do universo, um “gift“ na língua de Byron. Eu gostaria de ter o dom da escrita, tenho apenas a vontade, sou um mero escrevinhador. Meus leitores, no entanto, vem aumentando de ano para ano. No século XX cabiam em um Ford Ka, hoje lotam uma Besta, o que é bestial com dizem os portugueses que falam gíria.

Sidney Borges

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