Ubatuba em foco

Em Ubatuba nem os mortos têm sossego

"Então tomareis um molho de hissopo, embebê-lo-eis no sangue que estiver na bacia e marcareis com ele a verga da porta e os dois umbrais; mas nenhum de vós sairá da porta da sua casa até pela manhã. Porque o Senhor passará para ferir aos egípcios; e, ao ver o sangue na verga da porta e em ambos os umbrais, o Senhor passará aquela porta, e não deixará o destruidor entrar em vossas casas para vos ferir."

Êxodo Cap. 12 vs. 22 e 23

Para quem lê a Bíblia, ou já assistiu ao filme "Os Dez Mandamentos" com Charlton Heston (produzido em 1956 pela Paramount Pictures) deve lembrar desta passagem no livro de Êxodo, quando Deus lança suas pragas contra o Egito devido ao endurecimento do coração do Faraó. Aqueles que tinham seus ubrais marcados, não sofreram mal algum. Já aqueles que não tinham...Para quem gosta de novelas, deve lembrar de Sucupira, onde o prefeito Odorico Paraguaçu, um político corrupto e cheio de artimanhas, tem como meta prioritária em sua administração a inauguração do cemitério local. De um lado é bajulado pelo secretário gago, Dirceu Borboleta, profundo conhecedor dos lepidópteros; e conta com o apoio incondicional das irmãs Cajazeiras, suas correligionárias e defensoras fervorosas: Dorotéia (líder na Câmara de Vereadores), Dulcinéia (seduzida pelo prefeito) e Judicéia (a mais espivitada). São três solteironas avessas a imoralidades - pelo menos em público -, já que Odorico sempre aparece de noite para tomar um "licor de jenipapo"...

Já em Ubatuba acontece um paradoxo. Os túmulos do cemitério local apareceram marcados com "X" com tinta azul, da mesma cor que são pintados os postes, pontes e patrimônios municipais. Segundo avisos colocados em vários pontos da necrópole pela administração da Prefeitura, os túmulos poderão ser retomados definitivamente, de acordo com a Lei 1765/98, caso não sejam regularizados.
Não sabemos quando os túmulos foram marcados, mas durante o feriado de Finados, quando o cemitério recebe seu maior número de visitantes, os familiares das pessoas ali enterradas sofreram no mínimo um constrangimento sem igual ao encontrar a "última morada" de seus entes queridos marcada com um "X". Será que não encontraram outra maneira mais humana, ou no mínimo mais discreta, para conseguir as devidas regularizações? Será que não tem ninguém com um pouquinho de sensibilidade e bom senso para equacionar este problema? Na minha visão, encaro essa "retomada" com uma ação de "despejo" ou "reintegração de posse" dos túmulos da necrópole municipal. Não sei o que diz a Lei, mas acredito que os restos mortais devam ser retirados dos túmulos e armazenados em outro local, num ossário, ou coisa parecida. Se eu não estiver errado, corremos o risco de ver Ubatuba competindo com Sucupira no quesito cemitério. Enquanto em Sucupira não tinha um defunto para inaugurar o cemitério, em Ubatuba estão querendo despejar os mortos de suas moradas, não tão eternas. Vejo as manchetes: "Mortos são despejados em Ubatuba"; "Retomada de túmulos deverá desalojar centenas de mortos em Ubatuba"; ou ainda "Sem túmulos não têm para onde ir". Quem sabe não criamos/plagiamos o MST - Movimento dos Sem Túmulo.

Peço desculpas por tratar desta maneira um assunto tão delicado, mas em Ubatuba acontece cada coisa... Isso me faz lembrar do livro "Bom Dia Ubatuba", de Idalina Graça, onde Paulo Camilher Florençano começa o prefácio com o título "Em Ubatuba, o impossível acontece". Realmente estamos vivenciando ações que pareciam impossíveis. Em Ubatuba, nem depois de morto você consegue ter sossego.

Emilio Campi
editor@litoralvirtual.com.br

PS: Os restos mortais de Idalina Graça ainda se encontram no cemitério de Ubatuba, aguardando um túmulo digno. Será que até a poetisa terá que procurar outro local para passar a eternidade?

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