O perigo mora ao lado...

Lula: amor e temor a Chavez

Ruy Fabiano
O governo brasileiro – mais especificamente o presidente Lula - tem sido ambíguo em relação ao presidente da Venezuela, Hugo Chavez. Ao mesmo tempo em que o elogia e o classifica de democrata exemplar, determina ao ministro da Defesa, Nélson Jobim, que inicie em dezembro périplo pelo continente para desmontar a política armamentista venezuelana.
O receio é procedente. Num continente sem guerra, o que levaria um chefe de Estado – sobretudo um chefe de Estado com o perfil agressivo de Chavez - a investir a expressiva cifra de US$ 4 bilhões na aquisição de equipamentos bélicos de ponta?
Ao mesmo tempo em que assim age, Chavez anuncia que seu país entrará na corrida nuclear – e jura que é para fins pacíficos. O anúncio foi feito na França, esta semana. Na mesma entrevista, Chavez defendeu o programa nuclear iraniano, sustentando que tem também fins pacíficos, o que conferiu credibilidade ainda mais escassa às suas próprias juras antibelicistas.
A simultaneidade desses programas – o armamentista e o nuclear – é que os torna suspeitos. E Lula, que tem sido avalista político de Chavez no continente, põe suas barbas de molho, ao providenciar, discretamente, a Missão Jobim.
Ela consiste basicamente em “conter Chavez”, segundo confidenciou Jobim a um parlamentar amigo, que fez a inconfidência à Folha de S. Paulo. Numa palestra a militares no Rio, anteontem, por ocasião da celebração da Proclamação da República, Jobim sustentou a necessidade de uma política de defesa integratória no continente.
Não mencionou Chavez, mas claro está que não é essa a natureza da política armamentista do presidente da Venezuela, que se diz imbuído da missão de implantar no continente a revolução bolivariana, e que não hesita em intrometer-se na política interna de países vizinhos. Em relação ao Brasil mesmo, já fez referências desairosas ao Congresso que, ainda que merecidas, não lhe cabe, como governante de outro país, fazê-las.
É mais ou menos como o seu recente entrevero com o rei da Espanha. O rei, como chefe de Estado, não tem o direito de mandar outro chefe de Estado calar-se, sobretudo num fórum internacional, ainda que este esteja dizendo as mais cabeludas bobagens.
Compreende-se a fúria do rei espanhol, mas não lhe dá o direito de dirigir-se daquela forma a alguém que, goste-se ou não, representava ali a Venezuela e seu povo. Do ponto de vista diplomático, a gafe foi espanhola, possivelmente reflexo pavloviano de seu passado colonialista no continente.
Voltemos à ambigüidade do governo Lula. Tem sido a marca do presidente, sempre que se busca analogia entre seu projeto político pessoal e o de Chavez. Tudo o que Lula jura que não quer para si acha legítimo e democrático em seu colega venezuelano.
Diz, por exemplo, que é contra mais uma reeleição no Brasil, mas acha que Chavez tem todo o direito de pleiteá-las quantas vezes quiser, desde que obtenha aval popular. Basta haver consulta popular direta – por meio de referendo ou plebiscito – para que a democracia seja preservada. Se esse conceito vale para a Venezuela, como supor que ele, Lula, o rejeitaria se aplicado aqui?
Bastaria uma consulta popular para legitimar seja lá o que for - supressão de cláusulas pétreas constitucionais, inclusive. Para o presidente, democracia é isto: a vontade da maioria, o que, levado ao pé da letra, faria de Hitler e Mussolini democratas fervorosos. Não lhes faltaram maiorias – e ruidosas maiorias.
A mudança de regras no meio do jogo, valendo-se dos instrumentos de poder para garantir previamente o resultado de eventuais consultas populares, nada tem a ver com democracia. A coreografia pode até ser democrática, mas a essência não.
Democracia pressupõe liberdade de escolha, que, por sua vez, pressupõe que o eleitor dispõe de todas as informações para exercê-la. Chavez cassou a concessão da principal televisão venezuelana, constrangeu a imprensa, subjugou os poderes Judiciário e Legislativo e, nesse ambiente de terra arrasada, convocou plebiscitos e referendos para eternizar-se no poder.
Seu eleitor-padrão não dispôs de todas as informações para discernir e fazer uma efetiva e legítima opção. Agiu sob o influxo de intensa propaganda política. Chavez, com esse tipo de manipulação, inaugura uma modalidade inusitada de sistema de governo: a ditadura democrática. Perpetua-se no poder com o respaldo de um imenso curral eleitoral, mantido numa combinação de intensas ações populistas e assistencialistas e força militar.
Chavez não resolve o desafio da exclusão social. Serve-se dela. Investe no problema, não na solução. Nisso também guarda grande afinidade com as políticas sociais do governo brasileiro. Não se conhece, até aqui, o antídoto a esse veneno. (Do Blog do Noblat)

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