Trapalhadas do "Império"

Ocupação do Iraque teve cinco erros básicos

Falta de planejamento e arrogância demonstradas desde a invasão comprometeram os planos de Bush para o Iraque

Patrícia Campos Mello

No dia 1º de maio de 2003, o presidente americano, George W. Bush, aproximou-se de um microfone montado no porta-aviões USS Abraham Lincoln e, tendo como fundo uma faixa com os dizeres “missão cumprida”, declarou: “As maiores operações de combate no Iraque terminaram.”
Quatro anos e cinco meses depois, mais de 3.700 soldados americanos e milhares de civis iraquianos estão mortos, o caos reina no Iraque e a guerra está bem longe de terminar.
Por que a invasão, que deveria ter sido “simples e rápida”, deu tão errado? Segundo especialistas, cinco erros básicos - e fenomenais - cometidos nos primeiros meses de ocupação determinaram todo o curso da guerra no Iraque.
Em primeiro lugar, o governo americano insistiu em usar um número insuficiente de soldados para ocupar o país. Apesar de seguidos alertas de comandantes militares, muitos relegados ao ostracismo, o então secretário de Defesa americano, Donald Rumsfeld, e seu vice, Paul Wolfowitz, recusaram-se a enviar mais soldados para o Iraque.
O segundo erro foi deixar que Bagdá fosse tomada por uma onda de saques logo depois da invasão. Sem efetivo suficiente para conter os tumultos, os marines (fuzileiros navais) assistiram, impassíveis, às turbas destruírem a cidade e parte da herança cultural dos iraquianos, causando grande ressentimento na população.


Desbaathização


Paul Bremer, que foi o chefe da Autoridade Provisória da Coalizão entre maio de 2003 e junho de 2004, é apontado como um dos maiores responsáveis pelo descarrilamento da missão americana no país. Duas decisões de Bremer - a “desbaathização” indiscriminada do setor público iraquiano e o desmantelamento do Exército do Iraque - estão no centro do caos que tomou conta do Iraque.
Sem muito estudo e a despeito de alertas de vários especialistas, Bremer determinou “expurgos” nas universidades, hospitais e ministérios, demitindo todos os iraquianos que eram membros do Partido Baath, do ex-ditador Saddam Hussein. Com isso, tirou o emprego de boa parte da elite especializada do país, essencial para a reconstrução do Iraque.
Boa parte dos professores e médicos integrantes do Partido Baath só havia se filiado ao partido por pressão do regime de Saddam.
Depois, apesar dos esforços de vários comandantes militares para integrar e treinar as Forças Armadas iraquianas, Bremer desmantelou o Exército, a Guarda Republicana e a polícia secreta do país.
Resultado: cerca de 500 mil desempregados pelas ruas, armados com fuzis AK-47 e munição à vontade, nos depósitos deixados por Saddam que eram (e são) muito mal vigiados pelos americanos.
Ou seja, essa decisão propiciou condições ideais de pressão e temperatura para a formação da insurgência iraquiana, hoje o maior desafio dos Estados Unidos no Iraque.

Violência

Por fim, o modus operandi do Exército americano - pautado pelo uso da força - fez com que os EUA perdessem corações e mentes no país. Os incidentes na prisão de Abu Ghraib e o uso de violência para retirar iraquianos suspeitos de suas casas mudaram toda a atitude em relação aos americanos, que de salvadores se transformaram em invasores. Isso ajudou a alimentar a simpatia dos civis iraquianos pelos insurgentes.
“Mesmo contando todos os erros que os Estados Unidos cometeram no Vietnã, aquilo foi um trabalho de gênio se for comparado com a ocupação do Iraque. Se juntássemos os três patetas, os irmãos Marx e todo o elenco de Saturday Night Live em um filme de guerra, eles não conseguiriam chegar nem perto do que o governo Bush fez no Iraque”, disse num artigo Charles Ferguson, diretor do documentário No End in Sight - filme sobre a guerra do Iraque vencedor do festival Sundance.
Para Ferguson, a falta de planejamento foi de um amadorismo atroz. A Organização para Reconstrução e Assistência Humanitária, que tinha a função de tocar o Iraque após a guerra, foi estabelecida apenas 50 dias antes da invasão e não recebeu nem computadores. Quando a organização entrou no Iraque, não dispunha de veículos blindados e contava com apenas uma dúzia de pessoas que falavam árabe - e elas não tinham telefone para se comunicar nem acesso à internet.
Na opinião de James Dobbins, diretor de Segurança Internacional do Instituto Rand e vice-secretário de Estado nos governos Bill Clinton e George W. Bush, um dos grandes equívocos foi a falta de espaço para discordância dentro do governo Bush. “As boas decisões são tomadas a partir de discussão e oposição - nesse governo, as decisões eram tomadas por um grupo de pessoas sem ouvir vozes dissonantes.” Dobbins é autor do artigo “Quem perdeu o Iraque”, que está na edição da Foreign Affairs que chega às bancas neste mês.
“As pessoas que tinham dúvidas sobre a necessidade de invadir o Iraque e sobre os pressupostos dos planos de ocupação e reconstrução do país não foram encorajadas a falar de suas preocupações.”

Fracasso

Muitos acreditam que a invasão estava condenada ao fracasso desde o início porque partiu de suposições equivocadas - afinal, não existiam armas de destruição em massa e não era tão fácil semear a democracia pelo Oriente Médio, como pregava o ideário neoconservador.

Democracia

“Eles acharam que seria fácil criar uma democracia no Iraque, mas nossas experiências no Japão, Alemanha, Bósnia, Haiti e Kosovo foram demonstrações claras de que reconstruir nações é uma missão muito difícil e requer um longo e sério comprometimento”, diz Max Bergmann, pesquisador de Segurança Nacional do Center for American Progress, centro de estudos de centro-esquerda. “O governo Bush pensava que ia começar a retirar as tropas em três meses - eles nunca fizeram um planejamento para o longo prazo.”
Segundo Bergmann, uma lição importante é que a democracia não pode ser exportada, ela tem de vir de baixo. “Podemos encorajar e apoiar a democracia, mas não se pode impor democracia pela força.” (O Estado de S. Paulo - 9/9/2007)

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