Editorial

Trabalhismo em questão

Em 1922 meu avô saiu de São Simão, região de Ribeirão Preto, onde era administrador de uma fazenda de café e mudou-se com a família para São Paulo. A família era pequena, apenas dois, José Augusto Mazzoni e Manuela Cordeiro Mazzoni. Alguns meses antes eram três. Minha avó tinha vinte anos quando a vida levou seu boneco rechonchudo e sorridente. Ela chorou por ele até morrer aos oitenta e cinco anos. Meu avô sofreu calado a perda do primogênito, ao seu modo ele era mais forte do que ela, embora fosse apenas um garotão de vinte e dois anos que gostava de jogar futebol e caçar patos. Em São Paulo os tempos foram difíceis. Havia o conforto dos familiares, minha avó tinha quatro irmãs que eram muito unidas, mas o casal precisava ganhar a vida e ganhar a vida no princípio do século vinte em São Paulo era uma tarefa nada simples. Com grande experiência em cultivo de café, meu avô viu-se em dificuldades para arranjar trabalho, acabou operário nas indústrias Matarazzo, onde ficou até se aposentar em 1966. Nos anos da década de 1920 meus avós moraram em habitações coletivas do Brás, os famigerados cortiços. O bairro era reduto da colônia italiana e foi lá, na Rua Miller, que nasceu minha mãe, em 1926. A jornada de trabalho do casal, ela tecelã de casimira, começava às seis horas da manhã e terminava por volta das sete ou oito horas da noite. De doze a quatorze horas por dia, incluindo sábados. Os salários somados pagavam o aluguel e permitiam que vivessem modestamente, o que significava comer carne de segunda duas vezes por semana e galinha em épocas de grandes festividades, batizados ou casamentos. Assim transcorreram os anos das décadas de vinte e de trinta. Meu avô acabou aprendendo a lidar com trigo, tornou-se técnico em moagem e foi progredindo lentamente até chegar a chefe da produção de farinha do moinho da Rua Flórida. Apesar de chefe e com um salário um pouco melhor, ele ainda era operário e nesses anos todos não tirou férias e jamais se sentiu seguro. No “Estado Novo” de Getúlio Vargas, regime inspirado no fascismo de Mussolini, a vida começou a mudar. Getúlio aos poucos foi arrumando as coisas através das leis trabalhistas. No final da década de trinta a jornada de trabalho era de oito horas, havia férias anuais e salário mínimo, além de horas extras e meia jornada aos sábados. A vida dos operários deu um enorme salto de qualidade, meu avô pôde finalmente sair do cortiço e ter uma casa decente. Esses são os fatos, as interpretações ficam por conta das lentes com que a história é vista e pela cor ideológica de quem observa. Os comunistas sempre disseram que Getúlio foi um oportunista que usou a legislação trabalhista em benefício próprio. Eu até posso concordar, mas faço a pergunta, e daí? Meu avô é apenas um exemplo do antes e do depois de Getúlio, que oportunista ou não escreveu direito por linhas tortas e deu dignidade a milhares de trabalhadores que de um dia para outro passaram de semi-escravos a cidadãos. Lula ultimamente tem se comparado a Getúlio. Espero que ele consiga fazer pelos necessitados o que Getúlio fez. Se fizer dez por cento estará de bom tamanho.

Sidney Borges

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