Crueldade

O Canil. Barbárie.

Pouco sei sobre os trâmites burocráticos tanto para a doação, como para a suspensão da verba que um dia a prefeitura do município destinou para a APAUBA – Associação Protetora dos Animais de Ubatuba. Isto porque, pessoalmente, no que se refere a tratar com órgãos públicos, sinto calafrios a priori. Mesmo assim, participei de encontros dessa associação onde o assunto foi discutido, participei também de algumas sessões da Câmara Municipal, reuniões na prefeitura, tanto na gestão do ex-prefeito Paulo Ramos como do atual, Eduardo César, e, mais tarde, depois de a verba finalmente aprovada, fui a uma ou duas reuniões no COMUS, - Conselho Municipal de Saúde - onde se discutia horas e horas sobre o sexo dos anjos sem chegar a conclusão nenhuma, e onde a APAUBA tinha que passar por um verdadeiro Tribunal da Inquisição para que a verba fosse novamente aprovada. Pelo que pude entender, na concepção da maioria dos conselheiros do COMUS, havia uma revolta latente por esta verba ser destinada à castração e alimentação de animais, julgamento que mostra o quão atrasado ainda está o pensamento de seus membros já que, no cerne desta questão está um problema sério de saúde pública, e não simplesmente o “capricho de meia dúzia de dondocas que não têm o que fazer”, como muitas vezes eles se referiam a nós. Na contramão de municípios onde a preocupação com a população canina, abandonada ou não, levou à criação de projetos inteligentes e baratos na busca de uma solução, esta entidade – o COMUS- fez de tudo para que a verba tivesse outro destino.
Importante dizer que a verba, pelo menos essa, tinha destino certo, cada centavo foi bem aproveitado e contabilizado, ela NÃO foi desviada, cumprindo fielmente sua finalidade de esterilizar o maior número de animais que pudesse, até porque a castração era o principal objetivo para o uso da soma recebida.Com o programa de esterilização em andamento, o número de animais pelas ruas diminuiu de modo considerável , fato que pôde ser comprovado pela população. O trabalho era preventivo, de cortar o mal pela raiz, ao invés de, na outra ponta, ter que optar pelo extermínio, forma cruel, desumana e retrógada de resolver o problema. Mas, quem sabe por isso mesmo, por estar dando certo, ou por acharem que era um desperdício essa verba não estar no bolso de alguém, ela foi cortada. E isso depois de promessas e mais promessas do prefeito Eduardo Cesar de que iria se empenhar pessoalmente para que a questão fosse resolvida de modo favorável para a APAUBA. Balelas! Em seguida, retirada a verba, a prefeitura apresentou uma proposta de assumir sozinha o canil e a estrutura existente, num outro lance de “andar para trás”, já que poderia contar com uma já sólida rede formada de voluntários para cumprir seu programa (e eles tinham um programa?) de bem-estar animal. A APAUBA então praticamente se dissolveu como organização, e seus membros, apesar de desanimados e extenuados pela luta infrutífera, continuaram de modo individual sua labuta pelos animais.
Mas, na semana passada, num arroubo de curiosidade em saber como a prefeitura estava se saindo nessa empreitada, uma das participantes da ex-APAUBA, resolveu fazer uma visita-surpresa ao canil, e o que lá foi visto é de estarrecer. Nova mobilização, novo chamado. No sábado, depois de formada uma comissão, outra visita foi feita. E desta vez com máquinas fotográfica e filmadora em punho. E o que foi visto? Uma atroz calamidade, um retrato bárbaro e funesto do que um órgão público e irresponsável é capaz de cometer: animais agonizando, animais famintos, comendo suas próprias fezes, com sede, tomando sua própria urina, cachorros em pele e osso, morrendo à míngua, filhotes, mortos já há algum tempo na baias com outros vivos, uma barbárie. Esse é o cuidado que a prefeitura de Ubatuba tem por seus animais, é para apresentar esse verdadeiro quadro de horror que a “verba”está sendo utilizada? E eu, pessoalmente, gostaria de saber quem são os canalhas, responsáveis por essa crueldade de inspiração nazista.
A prefeitura de Ubatuba ainda está no tempo da “carrocinha”. Em vez de tratar o problema de forma consciente e eficaz, escolheu o extermínio com crueldade para chegar a um resultado duvidoso. E, cá pra nós, os bichos não votam e não pagam dízimo, não é?
E muito difícil ter isenção e distanciamento emocional diante de uma situação tão arcaica, tão primitiva, tão atrasada quando se tem informação do que é possível concretizar nessa área de proteção animal com um mínimo de recursos. Basta um pensamento esclarecido e vontade política para realizar o que vários municípios já conseguiram. Como exemplo, temos a cidade de Florianópolis que, procurando solucionar o problema da população canina nas ruas, que cresce em progressão geométrica gerando outros, de saúde pública, e, numa ação conjunta com a comunidade e entidades simpáticas ao tema elaborou um projeto atual e humano, que exclui a eutanásia. Em 2005 foi criada a Coordenadoria do Bem Estar Animal com várias ações que, em conjunto, estão obtendo resultados de sonho.
Dentro do projeto foi criado o Centro de Vigilância Ambiental e Bem Estar Animal, com salas de cirurgia, consultório, canis, gatis e programas de formação de mão de obra qualificada em zootecnia; o Projeto Amigo Animal, desempenhado nas escolas, com a implantação de cartilhas focadas na noção de posse responsável e meio ambiente; Campanha de Esterilização, voltada principalmente aos animais da população carente e de baixa renda, onde, com a ajuda de voluntários a prefeitura identifica e esteriliza os animais em seus lugares de origem. Dentro desse mesmo programa foi criada a figura do “animal comunitário”: os animais errantes são castrados e, como não têm dono definitivo, são acompanhados em sua recuperação por um voluntário; todo animal esterilizado recebe um RGA (registro geral do animal), tatuado na orelha direita; numa ação conjunta com a Polícia Militar ou a Civil, os animais encontrados em situação de maus tratos são retirados e seus donos denunciados pelo MP (Ministério Público); os animais errantes atropelados, poli-traumatizados ou terminais recebem quase que imediatamente a visita de um veterinário da Coordenadoria para avaliação das medidas a serem tomadas etc., etc., além da ampla divulgação da Lei de Proteção aos Animais e do Programa de Adoções e muitos outros. Resultados dessa avançada política de boa vontade, dedicação e organização? Vamos lá: desde a implantação dessa maravilha até janeiro de 2006 foram feitas 3 000 cirurgias, e a conta é que, com 1 000 fêmeas esterilizadas num período de um ano, deixarão de nascer 30 000 novos animais, sem contar com o investimento maciço na educação da população que já, já começa a dar resultados surpreendentes.
Mas, é hora de acordar. Estamos num município em que árvores são cortadas por nada, onde a Santa Casa local vive em situação de penúria, privada do mínimo necessário, e queremos que a administração municipal tenha ainda respeito para com os animais?

Miriam Tabarro

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