Pontos a ponderar

Caos aéreo e capitalismo

Mailson da Nóbrega
A menos que surja outro sistema econômico capaz de gerar mais riqueza e bem-estar, nosso objetivo deve ser a consolidação de um sistema capitalista fundado em estabilidade macroeconômica, instituições sólidas, educação de qualidade e políticas sociais em favor dos pobres. Uma opção – o socialismo – fracassou. A outra – o nacional-desenvolvimentismo – se esgotou.
Infelizmente, estamos longe de entender o sistema capitalista e o papel da boa regulação para ampliar seus benefícios e reduzir seus custos. Basta ver o debate em torno do desastre de Congonhas e caos aéreo, e o que se falou sobre as agências reguladoras e a idéia de privatização da Infraero.
Vejamos a Infraero. Seu presidente, o brigadeiro José Carlos Pereira, se disse contrário à privatização, alegando que as empresas privadas iriam aceitar apenas o filé. Não lhe veio à mente a privatização da telefonia fixa e as respectivas metas, que obrigaram as empresas a universalizar os serviços, inclusive em lugares remotos ou pouco lucrativos. A privatização da Infraero poderia incluir a operação de aeroportos deficitários.
O senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), um político sério e experiente, usou outro argumento. Para ele, a privatização deveria ser descartada, pois a segurança dos passageiros cabe ao Estado. Como as empresas privadas visam apenas o lucro, os usuários dos terminais estariam sob grave risco. O senador provavelmente não sabe que o Reino Unido e o Chile privatizaram terminais de forma responsável. Não consta a existência de caos ou de acidentes fatais nos aeroportos britânicos e chilenos.
O êxito das estradas privatizadas se contrapõe ao argumento. Elas dispõem de boa sinalização, pistas bem conservadas e serviços de apoio, inclusive nos acidentes. Enquanto isso, as rodovias do governo são mal sinalizadas, esburacadas e quase sem apoio. Proporcionalmente ao tráfego, as estradas públicas ceifam mais vidas do que as operadas pelo setor privado.
O senador disse ainda que as empresas aéreas precisam criar uma cultura como a da Varig, que se preocupava mais com os passageiros do que com o lucro. Por isso, como se sabe, a empresa era considerada uma “estatal” sem o Tesouro por trás dela. Quebrou. Se tivesse sido operada pela lógica capitalista, poderia ter mantido sua robustez. Estaria agora contribuindo para melhorar a concorrência nos serviços de transporte aéreo.
Ao contrário do que se pensa, as empresas privadas têm interesse em zelar pelo conforto e a segurança de seus clientes, pois isso contribui para sua capacidade de gerar lucros. A Embraer, a Boeing e a Airbus não pensam apenas no lucro, mas também na segurança dos que usam seus aviões. Negligência e descaso podem quebrar essas empresas e destruir os capitais nelas investidos.
Em ambientes institucionais adequados, existem incentivos para que as empresas se preocupem em atender bem os seus clientes. Os interesses particulares podem conduzir ao bem-estar geral. Adam Smith já percebia essa realidade em 1776. “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que nós devemos esperar nossa refeição, mas da busca de seu próprio interesse”, disse ele.
Os avanços mais recentes da teoria econômica mostraram a importância dos incentivos para o comportamento dos indivíduos e das empresas, e para o desenvolvimento. Para Steve Landsburg, um estudioso do assunto, a teoria econômica “pode ser resumida em quatro palavras: pessoas reagem a incentivos. O resto é detalhe”.
Não bastassem declarações aqui citadas, o vice-presidente José Alencar piorou o clima desanimador ao condenar a idéia da autonomia das agências reguladoras, que “não deu certo”. Para ele, as decisões de um governo “são eminentemente políticas” e não técnicas. Alencar jogou fora pelo menos um século de experiência, estudos e pesquisas que evidenciaram a conveniência dessa autonomia para defender a sociedade do poder discricionário de políticos despreparados ou mal intencionados.
Apesar de tudo, estamos em um caminho sem volta. Ou o percorremos bem ou veremos fracassar o propósito de assegurar os níveis de desenvolvimento que o País merece. A renovação de lideranças e de gerações, associadas a melhorias na educação e a novos avanços institucionais, poderá contribuir para superar essas dificuldades.
Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada

mnobrega@tendencias.com.br

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