Pensata

A Ilha

Hélio Schwartsman
Cuba se tornou uma espécie de museu do comunismo a céu aberto. O episódio dos boxeadores que quase desertaram durante os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro ilustra com perfeição as agruras do regime.
O simples fato de os atletas não poderem sair do país com suas famílias à hora que bem entenderem para viver --e trabalhar-- onde lhes pareça melhor já demonstra que há algo de muito errado por lá. No mais, algumas das "reflexiones del presidente Fidel Castro" sobre o caso evocam, ainda que com o tom farsesco típico da América Latina, os lúgubres processos de Moscou.
Não duvido de que os boxeadores Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara tenham mesmo manifestado às autoridades brasileiras o desejo de voltar para a ilha. É patente, porém, que haviam antes planejado desertar, a ponto de requererem vistos para a Alemanha. Mesmo assim, só o que censuro ao Ministério da Justiça é a celeridade que imprimiu à operação de repatriamento, que contrasta com outros casos.
Embora alguns lapidares do governo de Luiz Inácio Lula da Silva ainda insistam em descrever Cuba como uma democracia popular, não há muita dúvida de que aquilo seja uma ditadura, ainda que não das mais selvagens. E um Estado que zela pelo respeito aos direitos humanos como deveria ser o Brasil precisa agir com certa cautela antes de devolver a um regime autoritário pessoas que ousaram desafiá-lo.
Nesse contexto, teria sido recomendável manter os cubanos por aqui por mais uma ou duas semanas. Vale lembrar que eles entraram legalmente no país e, até onde se sabe, não cometeram nenhum delito. Não havia nenhuma razão para mantê-los sob vigilância, situação a que foram confinados desde a sua detenção, na quinta-feira retrasada, até a volta para Havana, no sábado.
Se tivessem mais tempo para pensar (e curar a ressaca), talvez os cubanos tivessem tomado outra decisão. Não é necessário título de especialista em teoria dos jogos para constatar que eles fizeram as piores escolhas possíveis. Quando optaram por desertar, abriram mão de estar com a família para praticar boxe no Ocidente e, supostamente, ganhar bastante dinheiro. Quando decidiram voltar, sacrificaram o "sonho capitalista" para abraçar a certeza de uma condição muito pior para si mesmos e seus próximos. Basicamente, tudo o que conseguiram foi alguns dias de farra com garotas de programa no norte fluminense e, de volta a Cuba, trocar os privilégios que tinham como atletas de renome internacional pelas atribulações da vida de cortadores de cana ou de algum outro "trabalho digno" que Fidel disse que lhes dará após proibi-los de lutar.
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