Região

A companhia Docas de São Sebastião

É alvissareira a notícia de que o Governador de São Paulo irá criar uma companhia DOCAS para administrar o Porto de São Sebastião. Tendo gerenciado esse porto por cinco anos (1995 – 2000), em fascinante tarefa, sinto ainda entusiasmo e interesse pelo mesmo, mormente, por ter sido o único de seus administradores a trazer investimento privado para o porto – a planta de modernos silos, construída na área do retroporto, contígua à área primária, propiciando a fixação dessa matéria prima no porto.
Encareço, ainda mais, a decisão do Sr. Governador, pois, ao continuar o Estado a assumir sua administração, após assinatura de Convênio de Delegação em junho passado, a expectativa é que o porto continue a operar como entidade pública, o que deve garantir, aos seus usuários, a continuidade dos serviços que não destoarão, estou certo, das condições que os atraíram quando se estabeleceram no porto, ou que levaram outros a utilizá-lo historicamente.
Ao formar a companhia DOCAS para administrar São Sebastião, conhecendo o perfil de nosso Governador, tenho a certeza que trará pessoal qualificado para sua constituição, relembrando a época da supervisão do Departamento Hidroviário da Secretaria de Transportes, ao qual subordinava-se o porto, órgão especializado, do qual foi transferido para o DERSA, uma excelente empresa rodoviária, mas, que não pôde sempre desempenhar, com a mesma competência, a administração desse porto - um ente estranho à sua estrutura funcional e à sua alta e inegável especialização.
A criação de uma companhia DOCAS pressupõe a existência de um porto. Em inglês há um vocábulo, “misname”, que sozinho define um conceito. Significa dar-se a algo um nome que distorce a realidade, ou define erradamente o conteúdo. Esse erradio nomear pode causar compreensão distorcida da coisa e provocar ações inadequadas e contraproducentes às expectativas e objetivos buscados. Cito, como exemplo fácil de ser entendido por nós, moradores deste litoral norte do Estado, a designação dada aos seus municípios de turísticos, quando, na realidade, são balneários. Dois conceitos distintos que devem ser aplicados corretamente, para não despertar anseios desmedidos, ou frustrar expectativas difíceis de realização.
Há algum paralelismo ao se chamar de porto um único cais comercial que melhor se definiria como um terminal marítimo comercial, o que facilitaria a compreensão da realidade. Um porto, na plena acepção do termo, é uma entidade prestadora de serviços de amplo espectro, com capacidade de atracação para vários navios ao mesmo tempo, especialmente “liners”, navios comerciais que atendem rotas regulares, a intervalos regulares, com programação definida que permita programar o transporte das cargas para vários destinos e de várias origens. Um porto estará sempre inserido em várias rotas marítimas, da mesma forma que uma cidade turística, como tal, deve estar inserida em diversos roteiros turísticos, com demanda constante e não, apenas, ser um destino de temporada de verão. Um porto, para tanto, deve possuir infraestrutura e equipamentos compatíveis com a velocidade, eficiência, segurança, regularidade e produtividade exigidas, hoje, no transporte de cargas; deve oferecer bom acesso por terra e por mar, em suma, porto é um complexo de movimentação de cargas, marítimo, fluvial, ou lacustre, que se insere numa cadeia logística da origem ao destino das cargas que lhe sejam adequadas, oferecendo-lhes vantagens específicas. São Sebastião é, apenas, um terminal marítimo inserido, aí sim, em uma região portuária – o canal de São Sebastião, com algumas excepcionais qualidades: bom acesso por mar, abrigo, calado, proximidade de região altamente industrializada de amplo e crescente comércio importador / exportador.
É oportuno aqui enfatizar que o porto, em grande medida, não tem o poder de escolher suas cargas. São as cargas que o escolhem, inseridas em cadeia logística da qual o porto é um dos elos. São Sebastião, por ter acesso, apenas, rodoviário e com restrições, insere-se, às vezes, na logística de transporte de cargas originadas/destinadas às regiões próximas. È adequado para receber cargueiros na modalidade “bulk cargo” – carga de massa volumosa, geralmente granéis sólidos, que lotem sua capacidade, ou boa parte dela; são contratados, unitariamente, por distribuidores ou consumidores finais, com rota e destino definidos pelo arrendatário. Por esta razão, São Sebastião atrai a barrilha, a cevada; cargas uniformes de grande número, como automóveis, animais, sucata metálica, etc. Não é atrativo, porém, para carga fracionada, hoje quase toda transportada em contêineres que demandam linhas e freqüências regulares, destinos múltiplos previamente programáveis, equipamentos modernos de movimentação dessa carga e bom acesso terrestre.
A estrutura atual de São Sebastião, exatamente pelas restrições que apresenta, exige de sua administração extrema dedicação e atenção aos poucos usuários que o demandam, em especial aos que nele se fixaram, ou vierem a se fixar. Pela qualidade dos serviços, pelo atendimento personalizado, pela confiabilidade no manejo e guarda da carga, e especialmente pelo seu custo global, é possível oferecer um “plus” que atraia usuários, contrariando, até, sua inserção logística, como foram experiências ocorridas em nossa administração, na construção, já citada, de silos modernos para cevada, por investidores privados; no recebimento de contêineres, em 1995/1996, para desafogar, temporariamente, o Porto de Santos; na importação das máquinas e veículos de grande porte para a construção do gasoduto Brasil – Bolívia; na importação de cerveja do México, entre outras mais. Para algumas dessas cargas, São Sebastião era, em tese, inadequado, mas, dado o atendimento personalizado e o profissionalismo demonstrado – administração e trabalhadores, todas foram bem sucedidas.
Portanto, para sua inserção plena no tráfego marítimo internacional, sua infraestrutura terá de ser significativamente aumentada e melhorada, seu calado aprofundado, o acesso por terra compatibilizado. A magnitude que esta imprescindível infraestrutura deverá ter, dada a proximidade de São Sebastião à Santos - o maior e mais moderno porto do país, com vistas a permitir-lhe competir, sem uma gestão conjunta de ambos os portos que enfatize-se, servem o mesmo Estado e são seus únicos portos, é difícil de antever. Esta crucial questão, cremos, deve ser bem percebida pelo Governador Serra - a necessidade da União entregar ao Estado de São Paulo, também, a administração do Porto de Santos, historicamente um nicho político (“p” bem minúsculo) que tanto desserviço lhe tem causado. Não existe, mais, razão lógica para o governo federal continuar, nos dias atuais, a administrar portos. Em países com grande fluxo de comércio marítimo, portos são administrados de perto, localmente, pelo estado, município, ou autoridade portuária própria. A administração do Porto de Santos pelo Estado de São Paulo, não só daria a esse porto um perfil administrativo mais profissional e moderno, como ajudaria o Estado a alavancar o desenvolvimento do Porto de São Sebastião, que sob a direção federal Santos jamais teria interesse em fazer. Com administração conjunta, seria possível desenvolver ambos com vistas a uma melhor distribuição das cargas marítimas do Estado, propiciando ganhos e economias múltiplas a todos - usuários, governo e sociedade. A indústria e o comércio deste Estado, se percebem, de fato, as vantagens de uma tal gestão una, aqui citada de forma sucinta e axiomática, deveriam sentir-se determinados a juntar esforços com o Governador Serra para que a União, em curto prazo, faça essa transferência, como, aliás, já deveria ter transferido todos demais portos que ainda estão sob administração federal. Governo moderno é governo descentralizado; democracia no século XXI exige descentralização do poder; a inserção na globalização, então, nem se fale. Este país precisa ser governado na plena acepção constitucional de sua organização política – “República Federativa”, pois, este é mais um “misname” que confunde nossa realidade. Da forma como atua o Poder central, somos, caricatamente, uma República Federal e que vem assim se firmando pelo excessivo zelo centralizador de Brasília.


Ernesto F. Cardoso Jr. - MBA (Univ. of Pittsburgh, Penna, EUA); Bacharel em Economia (UERJ, RJ), Gerente do Porto de São Sebastião (1995-2000)
efcardosojr@uol.com.br

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