Grileiros em ação

A ponta do iceberg

Rodrigo Rollemberg
Deputado federal (PSB-DF)
No início do governo Juscelino Kubitschek, o quadrilátero goiano onde hoje se encontra o Distrito Federal foi declarado de utilidade pública para fins de desapropriação para sediar a futura Capital da República. No entanto, essa desapropriação não foi concluída. Parte das terras foram desapropriadas, outras continuaram privadas e ainda outra parte foi desapropriada em comum. A inconclusão desse processo, aliada à conivência de autoridades do GDF com notórios grileiros, levou ao maior processo de grilagem que se tem notícia no país. Não o maior em extensão, mas em valores, pois trata-se do loteamento de áreas nobres da Capital da República, situadas no Lago Sul, Lago Norte, Sobradinho etc.
Já em 1995, uma Comissão Parlamentar de Inquérito, na Câmara Legislativa, desvendou os procedimentos utilizados para pilhar a terra pública, que começavam nos cartórios do Entorno do DF. Lá, com a certeza da impunidade, de forma descuidada, falsificavam-se procurações e escrituras. As falsificações eram tão grosseiras que ali apareciam crianças de 14 anos adquirindo terras, negócios feitos em mil réis quando a moeda já era cruzeiro e escrituras grafadas com caneta esferográfica, inexistente à época dos documentos.
Bilhete apreendido pela CPI, no computador da empresa Benvirá de propriedade do deputado distrital Pedro Passos (PMDB), que consta no relatório final da comissão, deixa claro a associação de prática de grilagem com então autoridade superior do GDF, Joaquim Roriz (PMDB). Em certo trecho, o bilhete diz: “Acho que é possível colocarmos em condições de viabilidade para regularizar até o final do ano mais de 8.000 a 10.000 terrenos. Em todos os empreendimentos, após deduzir os custos principais, ou seja, sobre a minha parte, é viável, e de extremo interesse lhe repassar algo em torno de 20%”. Vale ressaltar que o mesmo bilhete cita pedidos de empréstimos a Tarcísio Franklin de Moura, ex-presidente do Banco de Brasília (BRB), que era diretor de operações da instituição no período.
A cobiça do grupo não parou por aí. A sofisticação do esquema levou a práticas inimagináveis: a desapropriação de terras que já eram públicas. De terras desapropriadas anteriormente com matrículas registradas em cartório ou de terras públicas tornadas particulares por falsificação de documentos.
Se nesse caso as práticas foram mais sofisticadas, também foram mais rentáveis. Como mostra outro trecho do bilhete apreendido no computador do Sr. Pedro Passos: “Acho também muito viável nós conseguirmos viabilizar até o final do ano (1994) uma1 ou 2 desapropriações, é questão de darmos prioridade a essa ou aquela e trabalharmos nisso, em qualquer dos casos, é possível repassar 50%”.
E, sempre que se provava a falsificação de escrituras nos cartórios do Entorno, elas eram misteriosamente “roubadas”. O mais interessante é que não se furtava os livros, apenas as páginas falsificadas. Interessante também que todas as áreas listadas no computador do Sr. Pedro Passos como “aptas à desapropriação” foram efetivamente desapropriadas.

O prejuízo causado pela grilagem de terras no DF é avassalador. Não pode ser medido ou quantificado apenas pelas quantias bilionárias que envolveu. Ele se estende às pessoas que compraram lotes e que, agora, no processo de regularização, terão de pagar de novo. A ocupação desordenada do solo acarreta prejuízos no abastecimento de água, no custo de infra-estrutura urbana e de segurança pública, na qualidade de vida da população, atual e futura.
Posso assegurar que tudo isso é apenas a ponta de um iceberg. Esse esquema de desvio de recursos públicos vem de longe e precisa ser extirpado.
Em 2002, quando era deputado distrital, denunciei a falsificação de três projetos de lei que autorizavam a regularização de condomínios em áreas nobres do Distrito Federal. Emendas de autoria desconhecida foram incluídas em projetos já aprovados em plenário, autorizando a regularização de novos condomínios, ainda inexistentes, além daqueles verdadeiramente discutidos e votados pelos distritais. À época, o presidente da Câmara Legislativa era ninguém menos que Gim Argello, atual suplente do senador Joaquim Roriz. Pelo menos três condomínios foram beneficiados com a prática. Diante das denúncias, as leis foram anuladas.
Por isso, lamento em nome do povo de Brasília, que sofre ao ver a imagem da nossa cidade confundida com a imagem de maus políticos. Lamento mais uma vez um político poderoso de nossa cidade esteja envolvido em denúncia de corrupção e quebra de decoro parlamentar. Espero que o Senado Federal investigue a fundo, dando direito de defesa ao acusado, para que possamos acabar com a impunidade e construir uma nova prática política em nosso país.

Fonte: Blog do Noblat

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