Editorial



O acidente

Acidentes acontecem, são coisas dos homens, enquanto houver vida humana haverá acidentes. Acidentes aéreos são diferentes, tocam o nosso imaginário profundo, reavivam as bruxas e os fantasmas que aterrorizaram nossa infância. Desafiar a gravidade ainda é uma temeridade, somos seres frágeis, qualquer descuido e acaba a aventura terrestre. Essa é a origem do medo de voar, tememos o desconhecido, a morte ainda é a maior das incógnitas, um xis imenso, infinito. Sou piloto, voei centenas de horas por esporte, nunca fui profissional, mas sou familiarizado com as coisas dos ares. Apesar da razoável experiência aérea, tenho receio de voar em aviões de carreira. Depois do acidente da Gol minhas ressalvas aumentaram, agora vão aumentar ainda mais. E devo deixar claro que acredito no teorema, não sou místico, confio na tecnologia e na ciência e afirmo categoricamente que os aviões são seguros. Isto é, desde que mantidos corretamente, pilotados com os devidos cuidados e monitorados de forma responsável. Observadas tais premissas, não devem se envolver em acidentes. Como então justificar a tragédia de ontem? Apesar de estar em Ubatuba, pude colher informações pela Internet e pelo telefone e com base nelas traçar algumas hipóteses. O Airbus fatídico entrou no espaço aéreo de São Paulo, fez os procedimentos de pouso e alguns minutos antes de tocar o solo o comandante foi avisado pelos controladores das condições adversas da pista, escorregadia em função da chuva. Segundo testemunhas, o avião tocou no primeiro terço da pista, o que é suficiente para configurar um pouso seguro, também afirmam essas testemunhas que a velocidade parecia estar dentro da normalidade, enfim era mais um pouso dos milhares que há todos o dias. Aparentemente não havia defeitos no avião, no entanto, a energia cinética da aeronave que deveria ter sido dissipada na forma de calor através dos freios e do contato dos pneus com a pista e pelo uso dos reversores, permaneceu alta, muito acima do padrão. Ao chegar próximo ao final da pista o avião deu uma guinada para a esquerda, talvez uma desesperada tentativa de cavalo de pau por parte do piloto, que já sabia que a coisa estava fora de controle. Não funcionou. Ainda pleno de energia o avião saiu dos limites do aeroporto, saltou a Avenida Washington Luiz, bateu em alguns prédios e se transformou em uma gigantesca pira funerária para mais de duzentas vítimas, configurando a pior tragédia da aviação brasileira de todos os tempos. Por que o avião não parou? Essa pergunta é difícil de responder, mas tudo leva a concluir que a aderência da pista é o mordomo a ser investigado. Teria havido aquaplanagem? Teria o piloto tentado arremeter e ao perceber que a energia não seria suficiente arriscou uma manobra desesperada para parar e não conseguiu? Estas perguntas só serão respondidas quando as investigações terminarem, mas uma pergunta eu posso fazer. Quem teria tido a péssima idéia de liberar a pista sem a obra estar concluída, sem as ranhuras de drenagem funcionando? Provavelmente não deve ser piloto, mas se for “companheiro” corre o risco de receber uma promoção. E os mortos, ora os mortos, já morreram mesmo...

Sidney Borges

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