Pizzaria Brasil

Ou cai o senador, ou 'cai a Casa'

Editorial de O Estado de S. Paulo de hoje
Depois do vexaminoso espetáculo proporcionado na segunda-feira pela tropa de choque do presidente do Senado, Renan Calheiros, no Conselho de Ética - e da avalanche de notícias que reduziram a pele e ossos a sua versão pastoril para a origem da pecúnia com que teria pago os seus débitos extraconjugais -, duas certezas ficaram claras. A primeira é que o Conselho já não tem como absolvê-lo, dando por findos hoje mesmo os trâmites do simulacro de processo aberto contra ele, a contragosto, por quebra de decoro parlamentar. A segunda é que o réu - cujos pares em momento algum tiveram a compostura de tratar como tal - perdeu por inteiro as condições morais e políticas para permanecer na direção do Senado.
Do contrário - permita-se o jogo de palavras - a Casa cairá estrepitosamente perante a opinião pública, completando o mais recente ciclo de desmoralização do Congresso Nacional, inaugurado com o mensalão, agravado pela Pizzaria Plenário e replicado no escândalo dos sanguessugas igualmente impunes. Até aqueles aliados de Calheiros, que podem ser o que se queira menos surdos à voz das ruas, perceberam que o clima de desgosto provocado pela revelação de que o lobista de uma empreiteira pagava em dinheiro vivo os compromissos do senador com a sua ex-amante se metamorfoseou em repulsa generalizada à operação-abafa posta em marcha sob o seu comando pessoal para inocentá-lo a qualquer preço.
O povo viu pela televisão o político alagoano - do alto da Mesa do Senado - tentar reduzir a questão de alçada íntima, o que é desde sempre uma séria suspeita de promiscuidade, entre o presidente do Congresso e Cláudio Gontijo, o agente de uma empresa de construção pesada que, precisamente por isso, vive de fazer negócios com o poder público. A sociedade viu também, na mesma ocasião, a fragilidade das evidências que ele exibiu para assegurar que pagara do próprio bolso, embora por interposta pessoa, os valores destinados à mãe da filha cuja paternidade havia assumido. Os brasileiros viram depois o senador apresentar documentos que ele dissera não existirem.
Viram em seguida o corregedor do Senado, Romeu Tuma, anunciar o desejo de absolver Calheiros e a movimentação do Conselho de Ética - sob a presidência do petista Sibá Machado, que virou senador porque a titular, Marina Silva, se tornou ministra - de liquidar a fatura em tempo recorde. Viram, mais ainda, a intenção do relator Epitácio Cafeteira de arquivar sumariamente o inquérito, tão acintosa que o obediente Sibá foi instruído a não aceitar. Viram, sobretudo, o Jornal Nacional comprovar serem de fachada as supostas empresas compradoras das providenciais reses do excepcionalmente operoso pecuarista de Murici - o “rei do gado”, como logo ficou conhecido.
Por fim, o País viu sair pela culatra o tiro que os homens de Calheiros no Conselho arquitetaram para impingir a fábula de que, nesse aranzel todo, ele era vítima de uma tentativa de chantagem. Não contavam com a recusa do advogado Pedro Calmon Filho, patrono da ex-amante do senador, de fazer a parte que lhe competiria na armação, muito menos que fosse denunciá-la com palavras contundentes: “Entendi por que me chamaram. É mais uma cortina de fumaça para encobrir o caso.” Ao mesmo tempo, divulgou-se que a própria perícia ligeira da Polícia Federal nos papéis que atestariam a lisura dos negócios pecuários do senador apurou que as datas das transações não batiam com as dos créditos nas suas contas bancárias.
Afundando-o cada vez mais, a imprensa descobriu significativas omissões nas suas declarações de Imposto de Renda, significativos lucros declarados com criação de gado, acima da média nacional, e significativos saltos patrimoniais - a compra de três fazendas e a formação de um rebanho de mais de mil cabeças em meros dois anos. Tudo leva a supor que, se de fato provinham de Calheiros os valores dos quais o seu amigo lobista seria mero repassador, se tratava de “recursos não contabilizados”, no imorredouro eufemismo delubiano para caixa 2. A esta altura, excluída por irrealista a hipótese de cassação do senador - e por suicida a da sua absolvição -, um desfecho passável para o escândalo seria ele renunciar à presidência da Casa e o Conselho aplicar-lhe pena de advertência ou censura.

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