Sem vestígios...

Gente, pra que serve gente?

O Porsche vinha em sexta marcha, grudado no chão, cortando o ar com elegância e alguma soberba. A estrada terminaria em breve, o prazer de dirigir a máquina jamais terminaria. O suave ronco do motor subiu de freqüência quando a marcha foi reduzida, quinta, quarta e como diz o filósofo Galvão Bueno, o pé direito foi buscar potência e grudou o motorista no banco, eriçando os pelos dos braços torneados pela musculação diária. De repente um choque, um solavanco, uma massa branca grudada no pára-brisas e um amontoado no meio da marginal, diminuindo no retângulo do retrovisor até desaparecer por completo. Direto para casa, garagem fechada, o que foi aquilo? Funcionários lavaram cuidadosamente o carro, os vestígios da colisão foram apagados. Pedaços de miolos, embrulhados em plástico, acabaram sutilmente no Tietê. Ninguém viu a cena, a menina brincava com irmãos e vizinhos na favela ao lado da marginal, na saída da Anhangüera. Tinha quatro anos e meio. Um descuido e menina e Porsche colidiram. Naquela hora, fim de tarde, o trânsito estava calmo. O dono do Porsche, também dono de parte considerável do mundo, enviou um emissário que pagou ao pai da menina uma indenização de um milhão de reais. Não se falou mais no assunto. Agora ele conta os filhos e imagina. Ainda restam oito... (Sidney Borges)

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