Educação

Regressão continuada e mediocridade política

Reinaldo Azevedo
Sou um crítico de primeira hora da chamada “progressão continuada”, que vigora em São Paulo. Eu sempre a chamei de “regressão continuada”, verdadeira vanguarda do retrocesso na educação. Trata-se de uma tolice inventada por educadores nefelibatas, que atribuem à escola um papel que não lhe cabe. Quem tem de tirar a criança da rua não é o professor. À escola cabe ensinar. Dito assim, parece simples, mas não é, sei disso. Não duvido de que medidas deveriam ser tomadas para evitar a evasão escolar — que, com efeito, caiu radicalmente em São Paulo. Mas se optou pelo caminho mais fácil — e, devo notar, mais autoritário: impondo a progressão sem que o próprio professor tivesse sido educado para tanto e sem que houvesse condições objetivas para sua realização. Caso se retire da escola a cobrança do desempenho, será preciso oferecer outra coisa no lugar: o quê? Proselitismo? Videogame? Farra? Nada?Ocorre que Rose Neubaeuer, ex-secretária de Educação de São Paulo, não se caracterizou, no cargo, por ser alguém que tivesse especial apreço por ouvir. Não. Não me refiro a ouvir desocupados de sindicatos. Brincando, eu a chamei em diversos textos de a “Madame Mao” da Educação. Fui professor. Sei como funciona. Se a progressão continuada fosse assim coisa tão boa, os estabelecimentos particulares de ensino, com melhores condições de oferecer a tal recuperação, já a teriam adotado. Até por razões de mercado. E não a adotaram.
O governador José Serra vai mudar o critério: em vez da possibilidade de reprovação a cada quatro anos, quer encurtar esse prazo para dois. Considero isso correto como o primeiro passo apenas. O certo é acabar com essa besteira. Não sei se é ela que responde pelo desempenho ruim das escolas paulistas nos exames oficiais. O que sei, com absoluta certeza, é que não ajuda. Alunos chegam analfabetos ao fim do primeiro grau, ao fim do segundo, ao fim da universidade. É um esculacho. Dez anos de equívoco não se corrigem de uma vez. Talvez seja impossível extinguir a progressão agora, o que talvez gerasse uma demanda por escolas — estrutura física mesmo — e professores que não poderia ser suprida.

Junto com a progressão continuada, veio também o fim das provas — ou das avaliações, como se diz por aí. São um instrumento importante para saber se o aluno está aprendendo ou não e, claro, servem também para controlar a tigrada. Que mal há nisso? O coquetel inventado pelo governo Covas em São Paulo tirou do professor — muitos deles despreparados, mas essa é outra questão — a autoridade. Pobre não tem direito de fazer prova? De ser avaliado? De competir com o pobre do lado? Por quê? Escola não é reformatório, não é instituição para menores carentes — menos ainda para menor infrator. A escola não concorre com a rua. Tem de oferecer a perspectiva de um futuro melhor, o que, na maioria das vezes, ela não faz. E o futuro melhor vem com português, matemática, história, geografia, ciências...
Em entrevista concedida ontem à Folha, Rose Neubauer acusa seu sucessor, o ex-secretário Gabriel Chalita, de não ter dado continuidade a seus programas, especialmente às aulas de recuperação. Chalita fala hoje ao jornal, preserva quem o atacou e prefere atirar contra o governo de São Paulo. E o que diz o educador, pensador, escritor, poeta, dramaturgo, músico e bonitão?
Sobre os péssimos resultados colhidos pelas escolas de São Paulo, nada! Na essência, ele conservou o erro fundamental da antecessora: a regressão continuada. Aliás, ele se revela contrário mesmo ao encurtamento do prazo. E lamenta que o governo de São Paulo tenha cortado recursos da tal Escola da Família. Cortou, sim, onde ela já não funcionava, embora consumisse recursos milionários. Chalita acha que R$ 200 milhões para um programa de resultados duvidosos é pouco quando se tem um orçamento de R$ 12 bilhões. Se o dinheiro é do público, meu senhor, R$ 1 já é muito para ser desperdiçado.
O ex-secretário está apenas fazendo picuinha política. Para demonstrar que é um homem que pensa com grandeza, elogia o ministro da Educação, que é do PT, e ataca o governo de São Paulo, que é do seu partido. Entenderam a jogadinha esperta? Está tentado atrair a simpatia da esquerda — Chalita, um neocom: de “neocomunista” — ao defender a progressão continuada e investir num bate-bico de tucanos.
O que ele não consegue certamente explicar é o fato — atenção! — de que inexiste um currículo para o ensino fundamental e médio em São Paulo. Sim, vocês leram direito: o Estado mais rico do país não tem um currículo. Existe a grade, com as disciplinas. Mas, dentro dela, cada professor atira para o lado que bem entender. Se houver por bem que é chegada a hora de ensinar tudo sobre o povo do Tibete, ele pode. Chalita resolveu levar a família pra escola, fazer poesia sobre passarinhos, mas esqueceu de lhe dar um currículo. Entre a Madame Mao e o Moço Bom, a educação em São Paulo, com efeito, não vai muito bem das pernas. Na comparação com o resto do país, não é um descalabro. Está ali no batalhão intermediário. Mas isso é muito ruim. Tanto pior porque o desempenho geral é pífio.
Não adianta jogar a culpa nas costas da inclusão, como fez o ex-ministro Paulo Renato em entrevista à Folha de ontem. Até porque, convenha-se: se era para incluir e obter esses resultados, qual a vantagem? Ocorre que isso é mais uma facilidade do que uma resposta. É preciso incluir o estudante numa escola que cumpra o seu papel; é preciso incluir o aluno numa escola que não abra mão de ensinar; é preciso incluir o aluno numa escola capaz de selecionar quem tem condições de enfrentar os desafios seguintes; é preciso incluir o aluno numa escola que saiba O QUE ensinar. Parece uma obviedade, mas lá vou eu: a inclusão numa escola que abre mão de ser escola para evitar a evasão promove, vejam só, a exclusão tanto dos menos como dos mais aptos.
Levou-se a rua para a escola; levou-se a família para a escola. Só não se levou para a escola a obrigatoriedade de cumprir um papel: ensinar.

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