Jamais verás...

O tempo brasileiro

Collor corrigiu Marx: a história não se repete como farsa, se reinventa como farsa. No Brasil, o tempo é um revisor camarada. Cada nova versão da nossa história é mais benevolente do que a anterior. O tempo brasileiro é conciliador, não guarda rancor. Na verdade, não guarda nada. Quanto mais distante fica no tempo, menos conta o fato. O fato é neutralizado pelo tempo. Emasculado, como um gato. Quando finalmente desaparece por completo no grande sumidouro da memória nacional, pode ser recriado à vontade. O Collor decretou que sua deposição foi uma farsa. Ninguém o contradisse. Faz tanto tempo. Quem se anima a mergulhar no sumidouro para resgatar uma verdade hoje irrelevante? E, mesmo, o cara já não pagou pelo que fez (segundo ele, nada) com quinze anos de ostracismo? O tempo brasileiro, cedo ou tarde, inocenta todo o mundo. É só esperar a sua vez.
Essa garantia tácita de absolvição é um velho hábito do nosso patriciado. Nunca na história do país, mesmo com as oligarquias se entredevorando pelo poder e querendo a ruína do inimigo, alguém caiu totalmente em desgraça no Brasil. Desgraça profunda, irrecuperável, de se trancar no quarto e receber comida em marmita por uma portinhola, pelo resto da vida. O tempo brasileiro sempre assegurou a remissão. E aí estão vilões do passado represtigiados, corruptos repaginados, banidos reeleitos e ninguém envergonhado. Collor chegou à presidência como símbolo de combate à corrupção, saiu da presidência como símbolo da hipocrisia do poder e volta como símbolo da inconseqüência de tudo isto. O que só prova o que ele disse, se não a intenção do que disse. Tudo é uma farsa.
É de se ver se daqui a quinze anos (eu não vou mais estar aqui, mas podem me contar depois) Lula e os escândalos do seu governo terão a mesma deferência que o tempo brasileiro dá ao nosso patriciado. Acredito que sim. Se há uma coisa evidente nesse segundo mandato que começa é a disposição do Lula de se legitimizar como um membro confiável do clube que manda, com direito a todos os seus privilégios e regalias. Inclusive os do estatuto que trata do perdão implícito da História, não importa o que ele faça. (Luís Fernando Veríssimo no Blog do Noblat)

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