Ainda a visita

Bush faz caridade, o lobby joga duro

Armando Mendes
A vida é dura para os "marronzinhos", os guardas de trânsito de São Paulo. Tentam o impossível – organizar o monstro – e são malvistos pelos motoristas. Mas pode piorar; se chove, por exemplo, ou se George W. Bush e sua corte blindada estão na cidade.
Cena paulistana na sexta passada ao meio-dia, calor de 35 graus: na descida do cemitério de Pinheiros, um "marronzinho" desvia os carros para dentro da Vila Madalena, o bairro vizinho. Laura Bush visita uma ONG ali perto e ninguém pode chegar a menos de três quadras de distância.
É engarrafamento na certa. As ruas estreitas da Vila não dão conta de escoar o tráfego desviado. O guarda suporta pacientemente os desabafos dos motoristas que passam devagar, em fila.
"O que essa mulher vem fazer aqui? Só atrapalhar?" berra uma morena ao volante, colérica, para o "marronzinho". Como se ele, pessoalmente, tivesse convidado dona Laura para o passeio.
"Tente entender, minha senhora", responde o guarda, torrando ao sol, braços abertos no gesto de qué-quieu-posso-fazer? "É uma vez a cada cinco anos!"
O guarda não merecia o berro, mas a morena tinha razão em estar exasperada: é muito tempo e muito transtorno para uma visita de relações-públicas incompetente.
Não tem jeito. Ainda está para nascer o presidente dos Estados Unidos que venha à América Latina e não se comporte como o ricaço do bairro em visita de caridade aos vizinhos pobres.
Umas esmolas, um navio-hospital, tudo bem. A América é misericordiosa, diz Bush, seguindo seu patético script de marqueteiro republicano (o "conservadorismo compassivo" é slogan eleitoral do Partido Republicano e de Bush; mas lá, na casa deles, já virou piada há muito tempo).
Na hora de falar sério, nada. Negócios? Promessas e planos vagos para o futuro. A tarifa sobre o álcool brasileiro continua de pé. E nem pensar em financiar usinas na América Central com a tecnologia brasileira. O lobby do etanol de milho não deixa.
O lobby não faz gracinha para os fotógrafos, não toca ganzá nem dá a mínima para a diplomacia e a boa educação. É como disse à BBCBrasil.com o senador republicano Charles Grassley, líder da bancada ruralista de Iowa, o estado que mais produz álcool combustível nos Estados Unidos:
"Nenhum socialista barato como Lula vai me dizer que nós somos protecionistas''''.
Leia aqui a entrevista completa, um primor de prepotência.
O jogo é pesado. E não queremos nos dar conta de que o agronegócio da cana e do álcool tem pontos vulneráveis. O dano ambiental é um deles, mas o pior, como sempre no Brasil, são as relações sociais e de trabalho.
O agronegócio é a nossa cara em muitos sentidos. Talvez seja melhor dizer as nossas caras. Aplica tecnologia genética de ponta, de um lado, mas mantém o velho regime escravista de quinhentos anos no outro lado, o da lavoura.
Sobram denúncias dos abusos de plantadores de cana contra os trabalhadores rurais. Não queremos ouvi-las, para não estragar a festa, mas o resto do mundo ouve, agora que o álcool brasileiro é notícia. Como nesta matéria de sexta-feira do Guardian, jornal inglês de centro-esquerda, sobre os "escravos do etanol":
Leia aqui.
A visita de Bush foi um circo, uma distração. Mas nossas duas caras ficam na janela para o mundo ver. O freguês pode escolher entre uma ou outra, de acordo com seus interesses.
Fonte: Noblat

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