Lembranças

Ao mar

Luis Fernado Veríssimo
Minha mãe não gostava de andar de avião. Tinha más lembranças da primeira vez em que fomos para os Estados Unidos, quando a viagem aérea entre Rio e Miami levava três dias. Eu disse três dias.
Pernoitava-se em Recife e em Trinidad e o que chegava a Miami era o que sobrava da gente depois de tantas horas de vômito. Por isso todas as subseqüentes idas e vindas da família foram de navio. A começar pela volta dos Estados Unidos naquela primeira vez, quando logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial pegamos, em Nova York, um cargueiro argentino chamado "Jose Menendez", caindo aos pedaços, que nos deixaria no Rio um mês depois. O "Jose Menendez" dava a impressão de que sobrevivera à guerra porque nenhum submarino inimigo pensaria em desperdiçar torpedos com um navio que estava prestes a ir a pique sozinho. Mas o "Jose Menendez" não afundou conosco. Levava um defunto argentino no porão e a viúva e as filhas do falecido foram as que mais se divertiram durante a viagem. Fiz aniversário a bordo. Aliás, já fiz aniversário a bordo de três navios diferentes.
Até hoje espero que uma tarefa de gincana seja descobrir alguém que passou três aniversários ao mar sem ser marinheiro, mas ainda não me procuraram.
Mais tarde fomos fregueses dos navios da Mooe-McCormack entre Rio e Nova York. Fizemos uma travessia para a Europa no "Federico C", com uma parada em Las Palmas. Atravessamos o Atlântico Norte no que era, na época, o maior navio do mundo, o "United States". Neste eu dividi uma cabine com um simpático velhinho americano que compartilhava uma mesa do restaurante com três simpáticas americanas da sua idade, todas de cabelos azuis, e que levou uma a uma para a cabine e papou-as, enquanto eu fingia que dormia. A viagem levava só cinco dias, o velhinho tinha pouco tempo para se recuperar entre uma e outra, era um fenômeno. A última vez que andei de navio foi há alguns anos, entre ilhas do mar Egeu, num navio grego em que toda a tripulação, parece, se chamava Dimitri. Ainda não andei num desses super-navios que, dizem, tem até corrida de cavalo a bordo.
As lembranças náuticas são só porque li que tem gente - bom, não gente exatamente, milionários que em vez de ir para clínicas geriátricas está alugando cabines em luxuosos navios de cruzeiros, permanentemente. Emendam um cruzeiro no outro ou trocam de navios da mesma companhia para variar de roteiro, pagam menos do que pagariam numa clínica de igual categoria mas que não sai do lugar, têm cinco ou seis refeições grátis por dia (e em alguns casos bebida também) e – mas acho que isto não deve ser verdade - a garantia de um enterro no mar, envoltos na bandeira que escolherem, quando morrerem.
(Fonte: Noblat)

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