Problema doméstico

Invasoras aladas

Elas chegaram de forma sorrateira, como quem não quer nada e foram se instalando. Agora moram em minha lareira. Quando construímos a casa, no século XX, minha mulher quis lareira, Ubatuba é muito úmida, disse ela, o fogo vai ajudar a secar o ambiente. Além disso, havia dias frios, raros é verdade, mas capazes de justificar a obra. Neste século XXI o clima mudou de forma acentuada, o mundo está esquentando e secando e com isso a lareira resultou útil apenas no Natal, quando Papai Noel desce pela chaminé, dá a tradicional risada ô, ô, ô e parte para destino ignorado. Ultimamente nem mesmo tem deixado presentes. Mas quem foi mesmo que chegou e está morando na lareira? Andorinhas. Barulhentas andorinhas. Quando essas minúsculas e inoportunas hóspedes resolvem conversar, ou protestar, o barulho é insuportável. Meu cachorro vez por outra fica perturbado e late furiosamente, o que em nada contribui para que eu continue ouvindo Tony Bennet. Num desses momentos ruidosos resolvi que era hora de agir. Desliguei o som e procurei o especialista em pássaros Carlos Rizzo, que me aconselhou a queimar serragem úmida para produzir fumaça. Elas irão embora, ele me garantiu. Fiquei imaginado a partida, malinhas desarrumadas, confusão, gritaria e elas decolando e provavelmente tossindo, se é que andorinhas tossem. Vacas tossem, senão ninguém diria: nem que a vaca tussa. O Rizzo, que entende horrores de andorinhas, me contou que essas que fazem ninhos em lareiras são migratórias, originárias dos Estados Unidos, de onde vêm para fugir do inverno. Quando o tempo começa a esfriar retornam aos campos onde Lincoln passeou antes que Booth lhe estourasse os miolos. Eu já estava providenciando a serragem quando Rizzo me disse que provavelmente deve haver filhotes recém-nascidos. Como expulsar crianças, ainda que com penas, não faz parte do meu repertório, resolvi esperar o tempo esfriar. Depois que elas partirem vou colocar uma tela de arame na chaminé. No ano que vem terão de procurar outra lareira. Por enquanto o barulho continua. Nos momentos críticos eu costumava bater palmas e gritar: calem a boca, ou então: fechem os bicos. Não funcionou. Agora que eu soube que são americanas vou experimentar: shut up. Quem sabe dá certo...

Sidney Borges

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