Pensata



Dos perigos da liberdade de expressão de idéias

“Pequenas reflexões em primeira pessoa para manter um excelente relacionamento com rádios, jornais e acabar com jornalistas inconvenientes” ou: “Qualquer semelhança é mera coincidência”

Marcelo Mungioli*
Numa grande sala de reuniões, as paredes texturizadas ressaltadas com luzes dicróicas ostentam algumas cópias de quadros famosos. Pelo sistema de som, espalha-se o som do violoncelo solo, em arcadas perfeitas, executando a “Cello Suite N.° 1”, de Bach. Todo o ambiente, criado com a pretensão de parecer sofisticado, não esconde que o local pode ser também arapuca para incautos. Recostados em poltronas compradas em lojas de grife, de fino design, empresários, políticos e “autoridades” aguardam para a reunião com o “Mago” da comunicações e da publicidade. No ar, expectativa e um certo nervosismo. A pergunta nos olhos de todos é a mesma? O “mago”cumprirá o seu acordo?
A porta se abre, e Ele adentra a sala, com um andar altivo: O “Mago” aparenta ter cinquenta anos, é branco, alto, magro, usa óculos, apresenta-se bem vestido e encara a platéia com um sorriso altivo. (para marcar e ressaltar o momento, do sistema de som saem, em altura correta, os acordes vibrantes do órgão, a Toccata e Fuga em Ré Menor, de Bach, espalhando-se pelo ambiente).
“Senhores”, ele diz, “vieram ao lugar certo. Em primeiro lugar, gostaria que todos respeitassem o anonimato. Aqui, nenhum de nós tem nome. Aqui todos tem um único objetivo, “comunicarmo-nos bem” (um sorriso irônico escapa). Estou aqui para facilitar a relação dos senhores com a imprensa (sorriso aberto).
Os alunos também sorriem, o “Mago” já criou uma cumplicidade.
“Abram suas apostilas!”.
O pequeno livro, bem encadernado, (é verdade que possui poucas páginas), didático e cheio de ilustrações, tem o seguinte título: Pequenas reflexões em primeira pessoa para manter um excelente relacionamento com rádios, jornais e acabar com jornalistas inconvenientes.
“Senhores, o que é melhor: Calar o jornalista ou 'comprar' o jornal”?
Nenhuma resposta. O “Mago” mostra-se sério e antes que alguém levante a mão e comece a discorrer sobre o assunto (há vários políticos na sala), explica:
“Este será o nosso dilema primordial e estas serão as táticas mais comuns para manipular o “direito à informação”, fazendo com que tudo que saia ao nosso respeito seja positivo e eloquente”.
E andando pela sala, circulando entre os alunos, completa:
“Não se trata de acabar com a imprensa, mas sim de domesticá-la. Torná-la dócil, subserviente aos seus desejos e desígnios. Vamos aprender agora a levar - à potência máxima - aquela idéia de que “uma mentira repetida mil vezes, acaba tornando-se verdade”.
Na apostila do Mago, o discurso é o seguinte: Para ter-se o domínio completo dos meios de comunicação (a imprensa), os métodos empregados podem ser diferentes,devendo ser aplicados caso a caso.
Nisso, uma tela de projeção é abaixada e, enquanto as luzes caem. Dos alto falantes, soam os soturnos, pesados, dos metais e cordas do “Funeral de Siegfried”, de Wagner, enquanto uma transparência é apresentada. O título é sugestivo:Calando um jornalista (mesmo na penumbra, dá para ver que os alunos sorriem).
O Mago, sente a empatia da platéia com o título e com a música. Aguarda um tempo, gira nos calcanhares, aponta sua caneta laser para a apresentação, onde a primeira pergunta é imediata: Quando vale a pena calar o jornalista?
“Esta resposta é simples, meus caros: Se o repórter for independente, não se mostrar subserviente ou for muito questionador, é caso de aplicar-lhe um corretivo, sendo que esta é uma medida das mais apreciadas entre os brutos (risos no fundo da sala!). Afinal, há todo um preparo, um ritual, um planejamento, que começará com as ameaças até a concretização da agressão física (ou moral)”.
“Quando falo de agressões, física e moral, falo de todo um exercício de poder, de abuso de autoridade, que resultará em marcas indeléveis na vida do “escrevinhador de araque” ou “no cara que fala na latinha” (gestos de aprovação, meneios de cabeça).
“Quando houver uma denúncia, que tal começar por ameaças feitas por e-mails e com telefonemas anônimos? Se ele não se apavorar, o passo seguinte é aplicar-lhe medidas judiciais descabidas e desproporcionais. Se a denúncia apresentada for contundente, nada de pedir direito de resposta: imediatamente inicia-se um processo por danos morais” ( os alunos aprovam!!!).
“De forma concomitante, deve-se utilizar os órgãos de comunicação já “dominados” para plantar difamações ou agressões para desqualificá-lo. E se ele for empregado de órgão de comunicação, melhor ainda: usaremos o nosso poder e influência para que seja demitido, de preferência, sem direito a nada. Lembre-se sempre de falar em um bom contrato! Se for preciso, disponibilize o seu jurídico para dar uma assessoria, quem sabe para forjar uma justa causa”... (continuam os risos no fundo da sala)
Enquanto políticos e empresários e discutem em voz baixa, logo na frente do “Mago”, sobre as probabilidades de sucesso nestes intentos e principalmente, o quanto pode ser divertido “curtir” o desespero do pobre jornalista ou repórter sendo processado, tendo que pagar advogado, ou melhor, ter que mudar da cidade, com medo que alguma coisa pior aconteça a ele ou a sua família, o “Mago” clica uma tecla no notebook e um novo slide aparece na tela: Comprando um (ou alguns) jornalista(s). Ouvem-se os primeiros acordes da abertura de “La Forza del Destino”, de Verdi. É uma pausa dramática para calar a platéia. A sala fica escura, os graves dos baixos repetindo codas, com metais questionadores ressoam. O “Mago” aguarda o “andante” para, discretamente, sinalizar para o rapaz do som determinando o fade out.
“Depois da diversão, que tal falarmos de negócios. E quando comprar o jornalista? Bem, é uma medida eficaz, mas menos divertida, até porque envolve dinheiro. E falar de dinheiro que será gasto não é nada agradável, mas, e se pensarmos nisto como um investimento? Vejam bem: algumas empresas de comunicação, em cidades onde a captação de propaganda é escassa e com valor de mercado aviltado, tornam-se presas fáceis. Afinal, quem vai falar mal de quem lhe sustenta? E, a partir daí, você passa a falar o que quiser, e como quiser!”
“Um bom contrato dissolve qualquer dúvida que pairar sobre a sua integridade ou sobre o excelente trabalho que estará sendo realizado a partir de então. Apenas compre espaço nestas empresas e divulgue as suas idéias. Fale o que lhe der “na telha”. A partir do contrato, não haverá mais questionamento, tudo torna-se verdade!“
Mais um clique no teclado do notebook e surgem – pausadas - as imagens de uma antigo vídeo de Caetano Veloso: Nele, nas areias da praia de Botafogo estão José Celso Martinez e uma adolescente. As imagens são impressionistas e parecem fora de foco. Os alunos tem dificuldades para visualizar e, mais ainda, para entender o contexto.
“Se você gosta de música, cantarole sempre este trecho da canção do Caetano, que fala em Reconhecer o valor necessário do ato hipócrita”:
"É chegada a hora da reeducação de alguém
Do Pai do Filho do espirito Santo amém
O certo é louco tomar eletrochoque
O certo é saber que o certo é certo
O macho adulto branco sempre no comando
E o resto ao resto, o sexo é o corte, o sexo
Reconhecer o valor necessário do ato hipócrita
Riscar os índios, nada esperar dos pretos" (1)
No clipe, Zé Celso e a menina seguem ombro a ombro. Nada é questionado. Nem o “Mago” sabe se a mensagem chegou ao destino sem ruído. É uma aposta alta, arriscar que aquelas pessoas entendam “o desmacaro, o singelo grito de que o Rei está Nu, mas tudo cala frente ao fato de que o Rei é mais bonito Nu”. Mas vale a pena para ressaltar, sem rodeios – no entender dele – quem é que manda e como se manda neste país. E o “Mago” sabe que todos ali entendem que o povo, neste país, deve ser tratado como massa de manobra.
Mas antes do “Mago” começe a discorrer – objetivamente - sobre qual é o custo para se comprar empresas de comunicação em cidades falidas e vilipendiadas, as luzes se acendem na sala, as portas se abrem e duas lindas jovens adentram o ambiente. Uma é loura, vestida com um tailler marinho e a outra, morena, trajando um comportado conjunto verde-água. Em uníssono, entre sorrisos, anunciam o coffee break., pondo fim ao nosso primeiro capítulo.
Sei que, para todos os nossos leitores, pingo é letra. Mas QUALQUER SEMELHANÇA É MERA COINCIDÊNCIA! O que escrevi é apenas prosa, É FICÇÃO!!! Alguém acha que calar jornalistas ou comprar a “boa vontade” de algumas empresas de comunicação, através de contratos, podem ser práticas comuns no cotidiano dos “poderosos”? Você acredita que isto seja possível?
Como diria o “Mago”: “- Chega de Achismo! O Achismo não nos leva a nada!”
Agora é sério: quando falamos sobre os conceitos de Liberdade de imprensa, Liberdade de informação e Liberdade de expressão, devemos levar em conta que, em muitos, muitos lugares, estes ainda são extremamente vagos, não se firmaram. Talvez por isto, nestes lugares, ainda imperem e dominem o retrógrado, o extremista e o manipulador.
Para finalizar, retomo discussão sobre a questão da liberdade de imprensa e de informação, mas utilizando-me de uma reflexão do Professor Carlos Alberto Di Franco: “... O direito à privacidade, no entanto, não é intangível. Pode cessar quando a ação praticada tem transcendência pública. É o caso dos governantes. O leitor tem o direito de conhecer o tipo de filosofia ou ideologia defendida por um político, sua competência ou incompetência, sua honestidade ou desonestidade, sua visão do mundo, seu passado. Analogamente, os aspectos da vida privada que, de modo claro e direto, possam afetar o interesse público, não devem ser omitidos em nome do direito à privacidade (...) os leitores têm o direito de conhecê-las. Se assim não fosse, tudo o que teríamos para ler na imprensa seria amontoados de declarações emitidas pelas próprias fontes interessadas" (2).
Marcelo Mungioli* é jornalista, músico e advogado. Pretende lançar, nos próximos meses, o livro “A História do Comércio em Ubatuba – 1954/2005”.
(1) Caetano Veloso, em “O estrangeiro”
(2) Verbete Wikipedia sobre a Liberdade de Imprensa, em português.

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