Crônica

Tenho saudades do PT...

Rubem Alves
Estou triste. Perdi as esperanças.
Escrever, que sempre me foi um motivo de alegria, agora é coisa que faço me arrastando. Penso que o melhor seria parar de escrever. Vinicius se referia à sua "inútil poesia".
Poesia é inútil. Os poetas são fracos.
As fórmulas dos demagogos são mais palatáveis. Escrevo inutilmente. Minhas tristezas são duas.
Hoje escreverei inutilmente sobre a primeira: minha desilusão com o PT.
O nascimento do PT anunciou a possibilidade da esperança: fazer política de um outro jeito, combinando ética, inteligência e a opção preferencial pelos pobres.
O PT fazia lembrar os profetas do Antigo Testamento que denunciavam os ricos que exploravam os trabalhadores sem jamais fazer alianças espúrias. Aí o rosto do profeta começou a apresentar rachaduras...
Era a ocasião do plebiscito para decidir entre presidencialismo, parlamentarismo ou monarquia. O Lula e o Genoino eram a favor do parlamentarismo.
As bases do PT foram consultadas. E elas votaram pelo presidencialismo. O Genoino engoliu o sapo e se calou. Fez silêncio obsequioso, como diz o cardeal Ratzinger. Mas o Lula não demonstrou desgosto. Engoliu o sapo que as bases lhes impunham como se fosse uma rã frita com arroz e se tornou loquaz em defesa do presidencialismo...

Fiquei estupefato, curioso sobre os processos mentais que operavam na sua cabeça para que se esquecesse com tanta facilidade das convicções de véspera.
Como psicanalista, eu ignorava qualquer caso de amnésia parecido.
Intrigou-me clinicamente a forma como funcionava a cabeça do profeta, tendo-se em conta que não há caso na literatura religiosa de profeta que amoldasse suas convicções em obediência às bases...
E então me perguntei: "O que é mais terrível?” “Ser silenciado pela violência de um ditador inimigo ou ser silenciado por ordem dos companheiros?” Ah! Também os companheiros podem ser repressores...

A unidade do partido exige que todos brinquem de "boca-de-forno": todos têm de pensar igual. O diferente é expelido. Como na igreja.
Compreendi que eu nunca poderia me filiar ao PT porque, se há uma coisa que prezo, é a liberdade para dizer o que penso, ainda que eu seja o único a dizê-la.
O tempo passou. Veio o escândalo do "caixa dois" do PT.
O profeta, que afirmou ignorar tudo, deveria ter falado palavras de fogo contra os corruptos. Ao contrário, num fórum internacional, na França, não só admitiu o fato como também o justificou: isso é normal no Brasil...
Agora, o inimaginável: uma fotografia do presidente Lula cumprimentando sorridente o possível "companheiro" Orestes Quércia.
Anunciava-se ali o início de um possível noivado... Para aumentar o meu espanto hoje, quando escrevo, vi uma foto do presidente Lula alegre e sorridente apertando a mão do "companheiro" Newton Cardoso, famoso ex-governador de Minas Gerais.
O profeta brinda com os falsos profetas... De fato, só pode ser um caso de amnésia...
Os meus queridos amigos petistas que me perdoem.
Meu estômago tem limites. Há um ditado que diz: "Pássaros com penas iguais voam juntos..."
Concluo logicamente:
"Se estão voando juntos é porque suas penas são iguais".
Vocês não têm saudades do PT.
Eu tenho.

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