Radumed...

Viver é perigoso...

A grande águia saiu da térmica e mudou a curvatura das magníficas asas. Voava lentamente vasculhando a superfície do oceano com olhos telescópicos de predador experiente. No final do dia ainda havia luz para uma última investida, quem sabe o jantar seria um atum ou uma cavala. Súbito um ponto surgiu na superfície irregular do oceano. Apenas olhos argutos e sensíveis, de mais de trinta anos de caçadas certeiras notariam o detalhe. Diminuindo a velocidade a águia esperou que o alvo afundasse e boiasse novamente. O ser à tona estava em apuros, seria atacado pelo ar por uma formidável máquina de matar. Com a estratégia definida a águia esticou a asas e iniciou uma larga curva com a finalidade de deixar o sol às costas. Enquanto o horizonte girava a trinta graus as asas foram se fechando, a velocidade aumentou até que a águia rente à água, voando no colchão de ar que os aviadores chamam de “efeito solo”, esticou as garras e apanhou a presa. Uma tartaruga. Sem entender o que acontecera, a vítima se viu repentinamente alçada aos ares e ainda que sentindo estar perto do fim, contemplou extasiada o que é reservado a poucos. A visão superior dos seres alados. Subindo vagarosamente devido ao peso extra, a águia procurou uma pedra para largar a presa. A tartaruga morreria sem sofrer e seria consumida para dar seguimento à vida. A natureza parece cruel, visão humana. A natureza não é humana, nem tampouco cruel, apenas é. Depois de longos minutos de extenuante bater de asas, a águia finalmente descansou. Enquanto planava viu a pedra ideal. Calculando com precisão soltou a tartaruga que caiu certeira e precisa na cabeça calva e brilhante de Alberto Silva de Caíres, de quarenta e sete anos, gerente de banco e corintiano fanático. Morte instantânea. A população ergueu uma capela no local em respeito ao milagre. O quelônio sobreviveu e foi lançado ao mar, onde viverá assustado os próximos trezentos anos. Naquela noite a águia dormiu com fome.

Sidney Borges

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