CHE

Che Guevara esteve no Brasil em 1966 a caminho da Bolívia onde morreria no ano seguinte. Antes de embarcar para Curitiba, cuja viagem foi contada por Valêncio Xavier no melhor conto de 2003, ficou algumas horas em São Paulo, esperando a partida do Cometa leito. Eu estava entrando na Casa Aerobrás quando vi aquele jovem senhor de terno com os cabelos brancos precoces olhando atentamente para a vitrine. Percebi que era argentino pelos sapatos. Apesar de velhos eram autênticos mocassins do Guido, impecavelmente engraxados. Brasileiros andam com os sapatos sujos, argentinos nunca e também dificilmente andam despenteados. O senhor argentino olhava com atenção para um modelo de motocicleta. Era uma Java dos anos trinta. Eu também olhei e ele percebendo meu interesse perguntou em portunhol: - Te gustan las motos? Eu disse que sim, mas que preferia os aviões. Ele continuou: - Si, son bárbaros, mira este Mig 15 que bonito que é! Eu concordei, gosto muito do Mig 15 e do Sabre também. Ele falou então: - Si es verdad, pero los Mig son mejores, custám menos, son menores e más maleables. Eu gostei do papo, ele parecia entender de aviões. Lamentei ter de ir embora. Nos despedimos, saí da loja e fui até a Mobral, outra loja de aeromodelos ver as novidades. Fiquei apreciando um motor italiano de cinco cilindros em estrela. Era caro para o meu bolso adolescente. Estava sonhado de olhos abertos quando ouvi uma voz familiar: - Que precioso que es este motor, me gusta mucho, tengo dos. Es mui silencioso, non te das conta que está trabajando! Era o meu amigo argentino sorrindo! Saímos da loja juntos e paramos na praça da República para tomar mate gelado. Depois caminhei ao lado dele escutando histórias e mais histórias de motocicletas, aviões e carros, ele falava muito, sabia de muitas coisas e eu que lia Mecânica Popular em espanhol entendia quase tudo! Cantamos em dueto músicas de Benvenido Granda, rimos dos filmes de Carlitos e engraxamos os sapatos na rodoviária. Nos despedimos com um forte abraço. Em pouco mais de duas horas tínhamos ficado amigos para sempre. Quando o ônibus chegou falávamos de relógios, ele então me disse que havia relógios e relógios, mas nenhum como um rolex. E me mostrou orgulhoso o rolex de aço que trazia no pulso. O mesmo que os Rangers exibiram como troféu ao lado do corpo dele, assassinado na Bolívia um ano depois.

Sidney Borges

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